terça-feira, 2 de julho de 2013

ENTRE A CRUZ E O SABRE


Samuel Castiel Jr.
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 

    Filho legítimo de beata paraibana, coroinha da igreja e acostumado com as novenas em sua casa toda primeira segunda-feira do mês, onde sua mãe juntamente com outras amigas beatas, costumavam “puxar” o terço, Apollônio não relutou quando foi matriculado no seminário da Ordem Franciscana, em cidade interiorana da Paraíba! Não era bem isso que queria mas, afinal, era o desejo de sua mãe! O que mais o incomodou foi ter que deixar pra trás a namoradinha de quem já começava a gostar! Quando depois de alguns meses soube que ela já estava “ficando” com um de seus melhores amigos, chegou a adoecer! Não quis mais comer, praticar esportes nem pensar! Desde essa época, fez um juramento que jamais viria a gostar de qualquer outra mulher! Pelo contrário, seria um homem frio, até mesmo porque estava a caminho do celibato!...Os padres chegaram até a encaminhá-lo para o ambulatório médico, onde fez exame de sangue, fezes e urina, sem ter nenhum diagnóstico orgânico para aquela sua apatia! Tinha que ser mesmo coisa da mente! Mas, como sempre o tempo tudo acomoda, o Apollônio voltou a sorrir! Nos anos seguintes, com novos seminaristas chegando, o Apollônio foi entrando na rotina do seminário: assistia missa bem cedo, as 6:00h da manhã, as aulas de teologia começavam as 7:30 se prolongavam até as 17:00h, com intervalo para o almoço. Depois da última aula praticava esporte até as 18:30, tomava banho, jantava, outra missa noturna, a leitura do breviário e cama! Aguentou ainda dois anos! Abandonou o seminário como entrou, ou seja, sem sentir nem deixar saudades! Sua mãe chorou mas acabou tendo que se conformar: eram os designos de Deus! Melhor sair antes de ser padre do que depois ter que largar a batina por causa de uma perua qualquer!...

      Apollônio começou então a cultuar seu próprio corpo! Entrou para a Academia, “puxou” ferro e tomou muita “bomba”!Acabou ficando bombadão! Trabalhar nem pensar! Vivia de limitada mesada que sua pobre e beata mãe lhe dava! Terminou o segundo grau na “marra”, arrastando-se que nem cobra! Mas gostava de vestir-se bem, com grifes das melhores marcas. Só tinha amigos da classe media alta. Procurava namorar com as “patricinhas”, filhinhas de papai, desfrutando assim de mordomias, mimos e confortos! Especializou-se nessas conquistas e se transformou num verdadeiro “caça-dotes”. Foi assim que conheceu a patricinha Takiki Mamimandu Sabre, uma nissei legítima, filha do samurai Furubuchi Sabre e sua esposa, ex-gueixa em Tóquio,Fuchichiko Ikuta Sabre. A família de grandes posses, podia ser classificada como classe média alta, ou classe A, como queiram! Era tudo que o Apollônio desejava! A Nissei era quase perfeita, e chegava até ser atraente, com pernas grossas e um corpinho sarado, como uma orquídea desabrochando, nos seus primaveris 15 aninhos!...Ela também freqüentava a Academia, e foi lá que se conheceram. Alguns meses andaram “ficando”, mas Takiki queria uma relação mais séria! Apresentou Apollônio a seus pais. E, como filha única, gozava de todos os mimos e afagos! O samurai Furubuchi não gostou muito da cara do Apollônio! Era bem mais velho que a Takiki, já com 26 primaveras no lombo! Mas, fazer o quê? Sua esposa Fuchichiko sempre o advertia, que a coisa é pior quando se proíbe o namoro entre os jovens. Vira “birra”! Aí é que o” bicho pega, né?!”...Por ele, samurai e acostumado com as tradições japonesas de seus ancestrais, jamais teria consentido aquele namoro! Como samurai, lutou em varias frentes na defesa de sua cidade lá no Japão, quando invadida por mercenários e matadores de focas e baleias! Era um homem exótico, praticante de artes marciais, tendo conquistado vários Dans até chegar a faixa-preta de Judô, Jiu-Jitse, Takendô, esgrima e lutas com sabre. Também era ninja! Tinha um temperamento forte e esses esportes o ajudavam a manter o equilíbrio!

     Alguns meses depois de aceito o namoro, num descuido de Takiki, aconteceu a indesejável gravidez! Foi aí que a coisa começou a dar errado para o Apollônio! Não queria deixar aquela vida, no bem-bom, com seu boi na sombra, como costumava dizer! Mas casar mesmo, de papel passado, queria não! Ia perder sua liberdade, seus amigos do futebol, do botequim, as paqueras e as conquistas nas quais tinha se especializado! Como poderia perder tudo isso pra ficar com a japinha, tendo hora pra sair, pra chegar, tendo que dar mamadeira para o bebê madrugada a dentro! Essa não! Não iria resistir! Tinha plena convicção! Primeiro falou para a Takiki que o casamento nem passava pela sua cabeça! Ela se decepcionou, se deprimiu! Quando a conversa chegou para sua mãe Fuchichiko, a coisa piorou ainda mais para o Apollônio. Pediu então que não falasse ainda para seu pai.

-- Sabe como o seu pai é! Não vai aceitar! Pode ficar violento. Tenho medo que perca o controle!

    Quando perdia o controle e ficava violento, ninguém conseguia dominá-lo. Ainda mais com aqueles sabres!...Quebrava tudo que via pela frente, seus olhos ficavam injetados, vermelhos, pareciam que iam saltar das órbitas, cuspindo chispas de fogo! Tinha que tomar sedativos durante vários dias para voltar ao normal.

    Apollônio tinha medo dele! Mas não podia esperar mais! A barriga da moça crescendo... Resolveu enfrentar a fera!

-- Seu Furubuchi, quero falar-lhe sobre sua filha. Ela está gávida! Nós não queríamos, mas aconteceu!

   Os olhos do samurai Furubuchi chisparam, seus dentes rangiram!

--Que estória é essa rapaz? Você enlouqueceu?

--Calma Seu Furubuchi! Nada que não se possa resolver! Podemos providenciar para que ela se livre dessa gravidez!

   Agora não foram só o olhos do samurai que chisparam! Pegou um de seus muitos sabres que decoravam as paredes do seu escritório, cheio também de espadas e armaduras medievais, e investiu contra o Apollônio.

--Vagabundo, né?! Pensando que filha minha ser vagal qualquer, né?! Vou mostrar pra você como samurai decapita vagabundo tarado como você!

    Com gritos de ataque nas lutas marciais, uma perna na frente e outra pra trás, ambas semi-fletidas para manter o equilíbrio, levantou o sabre com ambas as mãos e  cortou ao meio a mesinha de centro! O segundo golpe passou raspando o pescoço do Apollônio que pulou de banda e procurou abrigo atrás da poltrona, tirando antes um grande crucifixo em bronze da parede, agarrando-se a cruz, implorou:

--Arr Maria Maínha, pelo sangue do Menino Jesus, salvai-me desse samurai!

   Nisso, ouvindo os gritos de ataque do japonês, sua secretária abre a porta e entra correndo na sala, deparando-se com aquela cena! Agarra-se ao japonês:

--Pelo amor de Deus não faça isso Sr. Furubuchi!

   Apollônio aproveitando-se da oportunidade e da porta aberta, “vaza” descendo aos saltos pela escada abaixo, em desabalada carreira! No dia seguinte, o Diretor Geral do Seminário Franciscano (SF) recebe o ex-aluno Apollônio pedindo por tudo que lhe fosse mais sagrado, que reconsiderasse o seu abandono a instituição, e o aceitasse de volta ao seminário. Além de cansado e arrependido da vida mundana, tinha tido uma visão sinistra e aterradora, onde um samurai enloquecido queria decapita-lo, colocando-o entre a Cruz e o Sabre! Mas ele Apollônio, é claro,tinha optado pela Cruz!

Um ano depois foi ordenado o padre Apollônio!

                                                                                                                                                                                                                                                                                                           PVH-RO, 28/06/13

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