terça-feira, 16 de julho de 2013

O  AGENTE  FUNERÁRIO

 Samuel Castiel Jr.













         Geólogo argentino, pesquisador de jazidas de pedras preciosas na reserva Roosevelt, em Rondônia, a serviço de uma mineradora multinacional, concluiu sua missão, elaborou minuncioso relatório falando da qualidade do solo, jazidas, aluviões e ocorrência das pedras preciosas naquela reserva. Falava também de conflitos sangrentos entre índios e garimpeiros, bem como da ausência da força policial, gerando insegurança para quem se aventurasse a trabalhar naquela longinqua região. Quando voltava para São Paulo, sofreu um ataque cardíaco no aeroporto  do Belmont, hoje Jorge Teixeira, em Porto Velho-RO., foi socorrido e transportado pelo SAMU, porém foi a óbito durante o percurso, tenho chegado morto na unidade de emergência do Pronto Socorro João Paulo II. Constatado o óbito o médico plantonista assinou o Atestado de Óbito e, como de praxe, pediu que levassem o corpo para o necrotério até que os familiares o procurassem. Era um sábado a noite e o movimento muito intenso naquela unidade hospitalar. Baleados, esfaqueados, motoqueiros quebrados, vitimas do enlouquecido trânsito. O tempo foi passando, e aquela rotina avançou noite adentro! Já era tarde quando um amigo e colega do geólogo falecido chegou ao Pronto Socorro acompanhado de outro homem que se identificou como gerente e representante da empresa multinacional e empregadora do pesquisador falecido. Procurado o médico que assinou o atestado de óbito, este explicou que infelizmente o infarto foi fulminante, tendo o paciente dado entrada já morto naquele Hospital. Nada podemos fazer! –disse o médico ao gerente da mineradora.
-- E onde está o corpo doutor ?– perguntou o amigo do geólogo. Temos que providenciar o preparo do corpo, bem como o embalsamamento e o seu transporte para São Paulo, de onde seguirá para a Argentina, onde mora sua família.
-- Pois não, vocês podem ir até o necrotério que o corpo lá se encontra. Já assinei o atestado de óbito.
    Mas ao chegar ao necrotério, pra surpresa dos dois homens, lá não havia nenhum corpo! As três mesas de pedra  estavam frias e vazias!... Já nervosos, voltaram ao atarefado médico que ficou incrédulo ao saber que o cadáver tinha sumido! Chamou a enfermeira-chefe e, juntos, foram as pressas ao necrotério, constatando o que já sabiam: o corpo do geólogo havia sumido! Sem saber o que dizer nem como explicar aos amigos do morto o sumiço de um cadáver de dentro do hospital,  o médico e a enfermeira ficaram ainda mais atabalhoados:
-- Não sabemos ainda ao certo o que aconteceu!...Vou pedir a instalação de uma comissão para apurar esse fato lamentável! –disse o médico sem muita convicção!
--Doutor, o senhor me desculpe, mas nem o senhor nem comissão alguma vão apurar nada! Vou agora mesmo registrar uma ocorrência policial. Isso que aconteceu é inadmissível! – disse o representante da mineradora já quase aos gritos dentro do hospital. Ao sair, juntamente com o amigo do geólogo morto, falando alto e reclamando muito, o gerente da mineradora foi abordado por outro homem, já no estacionamento do hospital:
--Moço, por favor, tô vendo que o senhor tá muito aborrecido, e com razão! Sumiram com o corpo do seu amigo! Eu acompanhei e ouvi  tudo de longe. Sei o que aconteceu.
    O gerente que já estava quase entrando no seu carro, parou.
--O que você tá dizendo home?
--Isso mesmo que o senhor ouviu. Eu sei o que aconteceu e também sei onde está no corpo do seu amigo.
--E quem é você?
--Sou funcionário de uma funerária, vulgarmente chamado de “papa-defunto”. Mas odeio esse nome, e prefiro que me chamem de Agente Funerário. O que aconteceu foi uma tremenda atitude antiética e desrespeitosa. Sou Agente Funerário a 15 anos e nunca tinha visto isso acontecer!  Eu acompanhei o seu amigo desde o aeroporto, quando ele passou mal e foi transportado pelo SAMU. Depois que foi declarado morto e mandado para o necrotério, fiquei a espera de algum familiar dele para que pudesse tratar do funeral. Mas quando o senhor chegou e foi até ao necrotério,  um outro “papa-defunto” já tinha removido o corpo e saído por traz do hospital. Creio que o vigilante do hospital deve ser cúmplice desse vagabundo! Fui atras e chequei tudo: o corpo do seu amigo está em uma terceira  funerária concorrente. Ouvi falar que teria sido negociada sua transferência para  uma terceira funerária por um bom preço. Agora, que o senhor sabe de tudo, é por sua conta!
--O gerente da mineradora, furioso, agarrou o “papa-defunto” pelo colarinho:
--Vocês são todos iguais! Verdadeiros abutres! Não respeitam nem os mortos nem suas famílias! E tem mais, você vem comigo agora! Vamos até a delegacia mais próxima registrar essa ocorrência e você é a minha testemunha ocular viva!  E tem sorte de ainda ser “viva”!...
--Como já lhe disse, meu senhor, acho isso uma terrível falta de ética profissional. Mas, nos dias de hoje, esse mercado tá cada vez mais disputado. Quem chegar primeiro leva!...
    Na delegacia, depois do fato narrado ao delegado plantonista, o escrivão digitou os necessários depoimentos, lavrou o Boletim de Ocorrência ( B.O.)., e na sequência solicitou que a viatura policial, juntamente com uma patrulha da PM e o “papa-defunto” delator,  fossem até a funerária e trouxessem presos os responsáveis. Quando a equipe já entrava na viatura pra cumprir a missão, o delegado chamou o seu agente policial e ordenou:
--Carlão, traga TODOS os  responsáveis presos! Inclusive o corpo desse cidadão portenho!  Onde já se viu um  cadáver estrangeiro  perambulando pelas ruas de Porto Velho, de funerária em funerária,  sábado a noite, como se fosse um cão sem dono! Isso pode até gerar inclusive um mal-estar diplomático! Que plantão agitado nesse sábado, hem? Vou lhe contar!... E dirigindo a palavra para o gerente da mineradora que, bufando de raiva, quase apoplético,  tentava  acalmar-se, perguntou-lhe:
--Enquanto o senhor espera, aceita um copo d’agua ou um cafezinho?...


PVH-RO, 16/07/13

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