sábado, 13 de julho de 2013

O ESPELHO DE NARCISO


Samuel Castiel Jr.











         Quando  nasceu já era um bebê grande, branca e chorando forte! Seus  olhos  azuis  e os cabelos loiros, faziam-na parecer de descendência nórdica. Segundo seus pais e as próprias fotos mostravam como ela era linda desde que nasceu.  Ainda para completar chamava-se Diana, deusa da mitologia grega, como ela. Assim, costumava gabar-se de sua beleza para todos seus amigos. Na adolescência fez do seu colégio uma passarela, onde desfilava todos os dias não só para seus colegas mas, principalmente, para os professores. Incentivada pelos pais, entrou para a escola de modelo, tendo conquistado alguns resultados positivos  e comentários de que levava jeito para o “fashion”. Não queria quase nada com o colégio, apenas frequentava as aulas, conseguindo passar a custa de colegas generosos que lhe davam seus gabaritos. Assim, vivia como uma “patricinha” mimada e rebelde. Matriculou-se no Wise Up para aprender inglês, mesmo sem ter nenhuma vontade. Frequentava a Academia onde malhava para melhorar ainda mais sua aparência. Mas, sabia-se linda e tinha certeza que despertava a inveja na maioria das amigas. Era cobiçada pelos meninos, mas esnobava a todos! Não queria se envolver com ninguém. Achava-se bela, linda e maravilhosa. Sua cútis era branca e rosada, sem  mancha nenhuma sequer. Seu nariz afilado e olhos ligeiramente puxados, azuis, davam-lhe a certeza do rosto angelical. Para completar esse potencial, tinha a altura de 1,70m, pernas grossas, torneadas, pescoço esguio e longo, lábios carnudos e um bumbum arrebitado que fazia toda a macharada olhar quando ela passava. Mas ela não tava nem aí! Não queria se envolver com ninguém! Tinha um ritual, que chegou a virar  mania:  pela manhã ao levantar-se, corria para o banheiro e, frente a um  grande espelho do seu closet, admirava-se por tempo indeterminado, vasculhando pequeninos detalhes da sua beleza incomum. Olhava cada curva de seu rosto, o nariz,  os cílios longos e ligeiramente virados, a sobrancelha perfeitamente desenhada, os cabelos loiros, lisos e com discretas ondulações nas pontas. As orelhas eram proporcionais a sua cabeça, com uma inclinação perfeita, que lhe davam uma silhueta frontal majestosa, algo lembrando  Nefertiti, do antigo Egito. Ficava horas a olhar-se naquele espelho, e perdidamente apaixonada por sua estonteante beleza, perguntava mentalmente para o espelho, lembrando-se de Narciso:
-- Espelho, espelho meu, diga-me se existe neste mundo alguém mais linda do que eu?
         O espelho então nem precisava responder-lhe –pensava,  pois quem cala consente!  E sem nenhuma dúvida a sua beleza era única, universal!
          Com o passar dos anos, os seus hormônios sexuais aflorando, chegou o momento de  namorar. Mas... com quem?  Ninguém lhe interessava, os meninos ou eram “gays” efeminados ou simplesmente abestalhados, despidos de qualquer coisa interessante!... E, além do mais, a sua beleza descomunal fazia com que quase ninguém dela se aproximasse com intenção de namoro.  Aos poucos, sentiu a necessidade do aconchego de alguém, mas não sabia ao certo de quem.  Tinha certeza de que não eram seus pais, pois queria sentir um carinho diferente, alguém que tocasse o seu corpo, seus seios, seu sexo...Que lhe dissesse palavras de amor, de carinho,  que beijasse a sua boca perfeita, sentisse seus lábios carnudos. Mas como isso iria acontecer, se ninguém se aproximava dela. Sua única paixão, entretanto, era ela mesma! Amava toda aquela sua monumental beleza!  Ficava horas  frente  aquele  espelho de  seu  closet, a admirar-se todas as manhãs e a noite antes de deitar-se para mais uma noite de sono. Quando sonhava, sonhava com ela mesma, admirando a sua beleza descomunal!
         Aconteceu um dia, quando voltava pra casa, deu carona a uma colega e percebeu que algo lhe atraía para aquela moça. Não que fosse linda como ela  (isso seria impossível) nem mesmo bonita, mas era meiga e dócil, tinha um carinho todo especial por ela. Chamava-se Susi, e já se conheciam a algum tempo, mas só agora começava a prestar atenção nessa colega. Aos poucos também começou a admitir que era não só amizade, nem só desejo, era mesmo um amor homossexual. E foi ficando cada vez mais apaixonada, só andava com a Susi, não queria mais ficar longe dela. Até que descobriu que a Susi não era a pessoa que ela imaginara. Também não correspondia ao seu amor.  Era vulgar, podia-se dizer até mesmo promíscua! Mas fazer o que? Amava-a assim mesmo. Sujeitava-se até aceitar suas mentiras, só lhe pedia que jamais queria vê-la com outra mulher.  Não suportaria! Mas um dia isso aconteceu,  foi inevitável! E isso representou   um transtorno radical em sua vida! Passou dias trancada em seu quarto, sem querer falar com ninguém, sem querer alimentar-se, apesar dos insistentes chamados  e mimos de seus pais.  Já fazia dias que não procurava seu espelho. Num desses dias de profunda  e solitária depressão, resolveu olhar-se no espelho. Após fixar seu olhar por alguns minutos no seu velho amigo espelho, com a voz baixa, quase murmurando,  perguntou-lhe:

- Espelho, espelho meu, existe alguém neste mundo mais bela do que eu?
-- Você está horrível! Feia,  com sua imagem difusa,   olheiras profundas, rugas e marcas de expressão, com cabelos ressecados, quebradiços e depenteados... Todas as mulheres do mundo hoje são mais belas que você!...
         Num ataque de histerismo e fúria, atirou seu vidro de perfume francês  sobre o espelho, que se partiu  em pequeninos pedaços.
         Levada ao Hospital foi medicada na emergência e encaminhada ao serviço de pisiquiatria ambulatorial para acompanhamento. O pisiquiatra encaminhou a Diana ao analista,  que depois de umas cinco sessões com a Diana no divã, chamou seus pais e disse-lhes:
-- O caso da Diana é um caso grosseiro de narcisismo associado a homossexualismo. Para que vocês entendam melhor,  é como se existissem duas almas  em cada pessoa. Uma interior e outra exterior. A exterior é aquela que todos vem, associada ao "status", ao narcisismo, ao social, ou seja, como a pessoa é vista exteriormente.  A interior é aquela real, que só ela, as vezes,  vê. E geralmente vê quando  se despe de todo exterior, ficando a sós consigo mesma. O espelho as vezes ajuda a mostrar a essas pessoas sua outra alma interior que ninguém conhece, nem elas  próprias.  A Diana  vai precisar de apoio psicológico por algum tempo e talvez de um psicoterapeuta. O prognóstico é bom, porém ela vai precisar muito do apoio também da família. Creio que isso ela sempre teve com vocês, mas é importante que  seja dito.
    Já saindo e depois de se despedir dos apreensivos pais, o analista os interrompe e adverte:
-- Desculpem, já ia esquecendo: evitem colocar espelho no quarto da Diana pelo menos por uns seis meses...
                                                                                                                                                                      

 PVH-RO,13/07/13

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