terça-feira, 13 de agosto de 2013

A ÚLTIMA CAÇADA


A ÚLTIMA CAÇADA

 Samuel Castiel Jr.






                Seu principal e único lazer era a caça. Ainda adolescente acompanhava seu pai nessas aventuras no seringal São Carlos, no alto Jamari. Saiam bem cedo pela manhã e se embrenhavam mata adentro, sempre procurando rastos de animais noturnos, que só saem  a noite para se alimentar e que pudessem passar por aquelas veredas da floresta densa. Levavam consigo  armas tipo espingarda caibre 12 ou 20, munição para elas, facas e facões bem amolados, sacolas com sal grosso para salgar e conservar a carne dos animais abatidos. Levavam também  uma boa lanterna e algum alimento em conserva, pois as vezes tinham que passar vários dias em busca de um animal de médio ou grande porte. Qualquer pista servia para orientá-los. Pegadas na lama, fezes desses animais que pudessem indicar se recentes ou antigas, se continham residos tipo sementes, pedaços de fruta e que pudessem constituir numa pista. Pelos nos troncos de arvore, por exemplo, podia indicar a presença de animais de médio a grande porte, marcando seu território. Muitas vezes seguiam esses rastos ou pistas e geralmente acabavam sob o pé de tucumã ou coquinhos selvagens, onde pequenos e médios roedores vinham fazer seu repasto na escuridão da noite. Aí então, armavam sua “espera”, que era feita de pedaços de pau bem amarrados no alto de uma árvore e que pudesse suportar o peso do caçador. Lá ficavam, cada um em uma arvore, muitas vezes bem distantes uma da outra. Na total escuridão, não podiam fazer nenhum tipo de barulho, nem fumar ou riscar fósforo, pois o animal tem um olfato capaz de detectar a distancia a presença do perigo.  Por isso mesmo tinham que perceber qual era o sentido do vento, ou seja, se do norte para o sul ou do sul para o leste e etc., pois sua “espera” tinha que ficar posicionada a favor do vento, nunca contra, ou seja se estivesse esperando o animal chegar pelo norte, o vento deveria soprar do norte para o sul, caso contrario o animal  de olfato aguçado, poderia sentir a presença do homem a sua espreita. Quando o disparo ecoava na escuridão da noite, sabia que a caça estaria lá embaixo da arvore para ser por ele apanhada, esfolada e salgada. Aprendeu tudo isso e muito  mais com seu velho pai, um seringueiro que sempre caçava para suprir de carne sua família, morando solitária no meio da mata densa, onde colhia o látex das  frondosas arvores da seringa. Ali a vida era dura e tudo era muito difícil. De dia as pragas como piuns, borrachudos, e maruins, hematófogos sempre ávidos e insaciáveis de sangue. Também havia as abelhas e outros insetos que vinham atraídos pelo suor. A noite chegavam os carapanãs, pernilongos ou “suvelas” também sedentos do sangue humano.  Mas, até uma vida como essa tão sacrificada e dura, com o tempo passava a ser encarada com naturalidade pelas pessoas que ali viviam.
                         Dentre as coisas boas  que Julio aprendeu com seu pai, é que o homem só deve caçar quando for pra comer.
--- Nunca mate um animal só por matar! – dizia seu velho pai Alzenor.
                         Mas Julio gostava tanto de caçar que não pensava como seu pai. Matar um animal para ele era um esporte. Claro que se fosse uma caça de médio ou grande porte, alimentava sua família. Mas, gostava mesmo era de caçar tudo e matava desde pequenos roedores, como também pássaros que não serviam nem para comer. Atirava as vezes apenas para treinar sua pontaria, como dizia. Tinha prazer em matar os animais, fosse qual fosse, para comer ou simplesmente para jogar fora!...
                         Para caçar capivara ou anta, tinha que descer o rio de canoa, a noite, sem fazer qualquer barulho, embalado apenas pela correnteza do rio. Quando ouvia o barulho do bicho na margem do rio, focava com a lanterna e atirava. Uma anta adulta tem o tamanho de um bezerro grande, e chega a pesar cerca de 200 Kg. Quando é atingida pelo disparo, ela mergulha na água e morre  no fundo. Então o caçador tem que mergulhar para amarra-la e tentar iça-la até  a margem do rio.
                          Quando sentia no ar o odor nauseabundo de carniça, tinha que ter muito  cuidado,  pois podia ter por perto uma feroz onça pintada! Certa vez estava com seu pai em uma canoa no meio do rio quando ouviu o esturro de uma onça. Era um som aterrador! Parecia que até a terra tremia!  Encostaram a canoa na margem, onde havia uma espécie de matagal, que se afunilava parecendo uma caverna. O odor da carniça começou a ficar mais forte.  Seu pai sugeriu que fossem embora dali, porém a curiosidade de Julio fez com que ele fosse explorar o interior daquela moita. Ao entrar, Julio focou no interior escuro daquele matagal e o que viu foi uma ninhada com três filhotes de onça. Chamou seu pai que, ao ver os filhotes, saiu puxando pelo braço do Julio para a saída daquela moita e forçou uma desabalada carreira rumo a canoa. Já na canoa, ouviram bem perto deles outro esturro da onça que quase os fez cair n’agua.  O pai do Julio explicou então que a onça-mãe estava por perto, e que deveria ter saído da toca para se alimentar. Sentindo a presença dos intrusos voltou correndo. Se os pegasse não sobraria nada de ninguém pra contar a estória, pois as onças quando tem crias, ficam muito mais ferozes e agressivas! Escaparam por pouco, graças a experiência de seu pai.  Quando conseguiam abater uma onça pintada, uma jaguatirica , um queixada (porco do mato)  uma anta ou um  veado, sabiam que seus coros valiam um bom dinheiro quando vendidos para o dono do seringal ou para compradores clandestinos que passavam por lá periodicamente.
                          Tinha muito receio também de pisar em cobras venenosas que infestavam  aquelas matas. Matavam em poucos minutos caso picassem na perna de alguém, principalmente a “pico-de-jaca”,  a surucucu, a cascavel, a  coral verdadeira, etc.
                          O macaco gogó-de-sola era outro bicho que não queria encontrar por perto, pois vinha sorrateiro pelas arvores e, de repente, saltava no pescoço das vitimas, sufocando-as até a morte!
                          Aprendeu também com seu pai algumas sabedorias de sobrevivência na selva. Quando estivessem perdidos ou sem alimentos, poderiam alimentar-se de larvas ou “tapurus” encontrados em algumas espécies de cocos selvagens, pois são ricas fontes de proteínas, assim também como gafanhotos. Da mesma forma poderiam comer frutas selvagens, tendo o cuidado de não comer aquelas que não tinham sido bicadas pelos passarinhos, pois essas geralmente são muito venenosas ou toxicas.  Na falta absoluta de água, poderiam colher água da chuva em folhas de bananeiras, ou mesmo cortar  o caule de alguns tipo de bromélias, os quais possuem água límpida e potável  que serve para matar a sede.
                         Certo dia, caminhando sozinho  pela floresta, abrindo “picadas” na mata com seu facão para seguir o rasto de um roedor, deparou-se com um bando de grandes macacos “ pregos ” ou guaribas que estavam na copa de uma imensa samaumeira. Imediatamente parou, aproximou-se sorrateiramente da arvore e, engatilhando sua espingarda apontou para o alto. O alvo era uma macaca que carregava na costa um macaquinho. Quando ela sentiu a presença do caçador, rapidamente pulou para um galho bem visível  ao caçador e, num gesto totalmente inesperado, pegou o macaquinho e mostrou  para o caçador, que já estava com o dedo no gatilho. Seus olhares se entrecruzaram. Sem entender porque, Julio foi tomado de um súbito e total arrependimento que o fez baixar a espingarda. Nesse dia ficou perdido na mata, não conseguia voltar pra casa, pois não encontrava mais o caminho de volta. Quando finalmente chegou a  sua casa, teve uma febre muito alta que o fez delirar a noite toda. Nesses delírios, falava coisas incompreensíveis. Sua mulher apenas entendia palavras que falavam de  perdão e um juramento que não mais iria caçar nem matar qualquer tipo de animal.  Contam que quando a febre passou, o Julio ficou abobalhado  das ideias e   nunca mais   voltou  a caçar. Quando via um macaco,  onde quer que fosse chorava copiosamente e tinha febres muito altas! Ninguém sabia o quê, mas todos juravam que algo muito estranho acontecera ao Julio naquela sua última caçada,  quando voltou triste e calado  da mata, teve febre alta e delírios a noite toda. Achavam também que foi aquilo tudo que deixou pra sempre o pobre Julio “mole dos miolos”!...Alguns juram até hoje que ele foi  mais uma vitima da “mãe-da-mata”!...


PVH-RO, 12/08/13

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