segunda-feira, 26 de agosto de 2013

EFMM: O FURIOSO E A FURIOSA



 EFMM:  O FURIOSO E A FURIOSA
 Samuel Castiel Jr.


 






   
  
Na antiga Porto Velho o lazer para adolescentes era uma coisa muito restrita. Tirando as brincadeiras  e folguedos que ainda restavam da infância, como empinar as pipas ou papagaios, futebol de grama e futebol de salão, restavam muito poucas alternativas. O aeromodelismo apenas começava a surgir, e conheci apenas o nosso vizinho Melba,  irmão do ilustre Tribuno Almino Afonso,  que solitário brincava de decolar e pousar seus aviõesinhos naquela área em frente a Catedral, onde está erguido hoje o Palacio 31 de março, sede da Prefeitura Municipal de Porto Velho. Fora isso, nossa distração de final de semana eram as matinês, as 16:00h ou primeira sessão de cinema, as 19:00h, no Cine Resky ou no Cine Brasil. Os filmes que estavam em cartaz quase sempre eram de Tarzan, faroeste americano com Gary Cooper, John Wayne, Henry Fonda, Wyatt Earp, Victor Mature, etc,  ou as chançadas brasileiras  da Atlântica, com Oscarito, Grande Otelo, Costinha, Ankito, Zé Trindade, Golias, Renata Fronzi, Anselmo Duarte, etc. Chegavamos cedo, comprávamos os ingressos, e ficávamos rodando na praça Mal. Rondon, trocando gibi,  mascando chiclete ou tomando sorvete e namorando, esperando que soasse o terceiro gongo do cinema para entrarmos para o recinto  escurinho que cheirava a mofo e era  cheio de grandes ventiladores!  Quando acabava  a sessão,  saíamos todos e os que tinham namoradas iam andando para deixá-las em suas respectivas casas, na esperança de um “ amassa” e/ou mais um beijinho final!...Os que já eram mais velhos, entravam na boate do Porto Velho Hotel, alguns até se arriscavam a dançar coladinhos, em cima de um só mosaico, as canções do Elvis Presley, Beatles ou Barry White. A volta pra casa era triste e perigosa, pois a luz apagava em toda a cidade exatamente a meia-noite! As ruas ficavam um”breu!”—como dizia minha saudosa mãe: -- Não sei como você não tem medo de se arriscar por essas ruas desertas e escuras!...Mas, realmente, as vezes não valia a pena!  Muitas vezes o pai da moça era bravo, ficava esperando a filha chegar e botava a gente pra correr!...Pra fazer uma seresta então, era preciso muito amor ou coragem! Quantas vezes a praça Aluizio Ferreira nos escondia de pais  enfurecidos que queriam quebrar nossos violões!...
     Algumas vezes, aos domingos, feriados ou datas comemorativas, a Banda Musical da Guarda Territorial vinha tocar no coreto da praça Mal. Rondon. Era também conhecida como “FURIOSA”, acho que devido aos dobrados e hinos cívicos que executava,  sempre comandada pela batuda  empolgada  de seu maestro, o Mestre Neves! Juntava muita gente pra ver aquela banda tocar! Era realmente empolgante! Mas, como sempre, em todo lugar, sempre aparece  um “espírito de porco”, alguns moleques cortavam um limão e se postavam frente aos músicos de sôpro da” Furiosa” chupando o limão! O maestro Neves  tinha que correr atrás  desses moleques, pois os músicos do sôpro não conseguiam mais tirar as notas dos instrumentos de tanto salivar! Só muitos anos depois, quando entrei para a escola de sax é que viria a entender aquela cena do maestro, com sua batuta,   correndo atrás dos moleques que iam chupar limão na frente da “Furiosa”!...
      Quando comecei a tocar sax, fiz amizade com antigos músicos saxofonistas que fizeram parte da Banda de Música da Guarda Territorial, que me relataram também outros fatos e estórias curiosos!
      Em Guajará-Mirim, município fronteiriço com a Bolívia, a 366 Km de Porto Velho, havia um clube social que era o melhor  não só do município mas de toda aquela região, e chamava-se Helênico. Sua diretoria era conhecida por ser muito rigorosa não só na admissão de novos sócios, mas também nos trajes e até nos repertório musical que tocavam em suas festas! E esse clube realmente promovia festas antológicas e tradicionais, como o Baile do Havaí, quando iam para lá pessoas de vários lugares do Estado e também de outras regiões. Pois bem, esse clube promoveu uma festa em comemoração a Independência do Brasil, no dia 7 de setembro. E para tocar nesse baile, solicitou ao Governador que enviasse para lá a Banda da Guarda Territorial, no que foi prontamente atendido. Até a relação das músicas e suas repectivas partituras foram enviadas com bastante antecedência para que a Banda pudesse ensaiar com seus músicos. Tudo pronto, a “Furiosa” partiu para Guajará no Trem da EFMM com uns quatro dias  antes para evitar transtornos.  Lá chegados, os músicos ficaram no alojamento do Exercito, onde eram muito bem tratados! Na véspera da festa, o meu amigo Dantas, vulgarmente chamado EDÔBO, saxofonista da Banda,  convidou seu colega Manelzinho, tocador de clarineta, também da “Furiosa”, para dar umas voltas a noite pela cidade. Sairam andando,  “jogando conversa fora”! Quando a lua cheia clareou a noite, os dois que eram boêmios natos, resolveram dar uma chegada no bordel, só pra ver as meninas!... Quando estavam tomando o primeiro whisky, já entusiasmados  com as “mutchatchas”, o EDÔBO sentiu que alguém o chamava, tocando em seu ombro. Virou-se e viu um homem de meia idade,  moreno claro, com cara de poucos amigos e vestindo um bleizer  caqui, que parecia mais uma farda. Perguntou ao EDÔBO:
-- Você não é daqui, de onde vem?
-- Sou de Porto Velho, eu e meu amigo Manelzinho. Somos músicos da Banda da Guarda Territorial. Vamos nos apresentar amanhã, no Helênico Clube.
-- Quer dizer que vocês são músicos da Gurada e vão tocar amanhã no Helênico?
-- Isso mesmo!
--Olhe aqui moço: eu vou lhe dar uma chance! Vou dar uma volta pela cidade e volto por aqui. Quando eu chegar, não quero encontrar mais vocês!
    Saiu sem se despedir, entrou num Jeep velho e foi embora, deixando uma fumaça de óleo diesel queimado pra trás!...
    O EDÔBO virou-se para seu amigo Manelzinho e se assustou: ele estava tremendo, pálido  e suava muito!
--Quem é esse véio filho d’uma égua pra mandar a gente ir embora?
    O Manelzinho,  quase não conseguia falar, mas disse:
--É...É ... o... o... Capitão Alípio!  Viu a gente, seus guardas, aqui nessa farra... Estamos fritos!
        Pediram a conta, e rapidamente voltaram para o alojamento.
        Depois  de passado o impacto inicial, Manelzinho explicou melhor para o seu colega que não reconheceu o temível e furioso capitão Alípio, homem forte do respeitado coronel Aluízio Ferreira, líder político de maior poder naquela época, que o nomeou para a função de delegado especial em Guajará -Mirim.
           O Edôbo depois me confessou que, naquela noite, teve pesadelos horríveis, onde um capitão troglodita e prepotente o jogava dentro de um calabouço escuro, infestado de morcegos hematófagos e escaravelhos carnívoros.

                                                                                               PVH-RO, 24/06/13 

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