sexta-feira, 20 de setembro de 2013

MISTER BATSON

O MISTER BATSON

Samuel Castiel Jr.







    


                Ele era barbadiano, idoso e bem alto que chegava a se encurvar pra frente.   Usava   sempre    um chapéu de feltro e também  estava sempre com um cigarro de palha na boca. Parecia até mesmo  que já tinha nascido com aquele chapéu e aquele cigarro pendurado em sua boca. Apesar de idoso era  lúcido e andava firme, sem tropeços. Era de poucas palavras. As vezes, quando ficava zangado com os moleques da rua, xingava todos num inglês que parecia mais um dialeto. Tinha vindo pra Porto Velho na época da construção da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré, em 1.907 e, com o termino dos trabalhos ferroviários foi ficando por aqui, nunca mais voltou a Barbados, sua terra natal. Na frente de sua casa, havia um tronco de mangueira, que fora derrubada e foi ficando ali até que já fazia parte do quadro, como se fosse uma moldura da sua casa. No final da tarde, assim que o sol começava a declinar, ele vinha pitar seu cigarro de palha sentado sobre o  tronco caído da mangueira. Juntava-se a ele a Dona Guiomar, uma auxiliar de enfermagem e beata que morava e tomava conta do Mister Batson. Iam então chegando  alguns outros vizinhos que ficavam ali conversando por algumas horas, até que o sol morresse na direção do Rio Madeira e a noite chegasse com o surgimento da lua e das primeiras estrelas no céu. As vezes, apesar da boa índole e atitudes carinhosas com os moradores vizinhos da sua casa, confesso que a figura do Mister Batson me causava medo, principalmente a noite quando ele aparecia com aquele chapéu e o cigarro de palha na sua boca. Parecia uma figura fantasmagórica. Mas, aos poucos fui me acostumando e cheguei mesmo a trocar algumas palavras em inglês com ele. Não sei se ele entendia ou não, mas respondia com algumas frases cujas palavras eu nunca ouvira. Quando comprei meu curso de inglês em discos de vinil chamado “Calling all beginers”, com sotaque purista de Londres, passei a entender melhor o Mister Batson. Mesmo assim, preferia que ele falasse o português, e acho que ele também!...
         O tempo foi passando, e quando ele morreu foi velado apenas pela Dona Guiomar e algumas  vizinhas beatas que ficaram a noite inteira sob a luz de velas, rezando o terço e tomando cafezinho, pois ele não tinha nenhum familiar por aqui.
       Hoje, muitos anos já se passaram, e muitas noites quando a insônia vem me fazer companhia, lembro-me da minha tenra infância, da minha querida mãe, cuidando dos seis filhos adolescentes, que insistiam em jogar bola na rua, sem atender aos  seus insistentes apelos para o  banho do final da tarde; lembro-me também do meu querido pai chegando cansado de mais um dia de labuta. E, sem que eu perceba, ele chega de mansinho e vem compor minhas saudosas reminiscências. Quantas vezes fico a imaginar que o Mister Batson era como aquele velho tronco caído na frente de sua casa, ou seja, quando terminou sua missão na Estrada de Ferro Madeira-Mamoré, foi ficando por aqui até que já fazia parte da moldura da nossa rua e da nossa infância, como aquele velho tronco. E até hoje aquela figura bizarra mas dócil ainda habita  minhas lembranças pueris. Só que agora já não me causa mais medo, pois ele compõe também a moldura distante do meu passado. Acho por isso mesmo que as pessoas dignas quando envelhecem  não morrem mas se transformam e se integram na  pintura de um quadro onde passam espiritualmente a compor a paisagem, sendo a própria   moldura do seu meio  e do seu tempo.


PVH-RO, 19/09/13

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