quarta-feira, 23 de outubro de 2013

A "VACINA" DE SAPO

A “VACINA” DE SAPO

Samuel Castiel Jr.











            Sempre fui curioso. Algumas vezes paguei caro por isso! Certo dia, em conversa com um amigo do Acre, fiquei sabendo da chamada “vacina” de sapo, extraída do veneno de um sapo da Amazônia, e que estava fazendo verdadeiro prodígio nas pessoas que recebiam esse tratamento naquele Estado vizinho.  Imediatamente procurei inteirar-me e fui atrás de maiores informações, pois padecia de uma sinusite crônica que não curava com nada. Segundo esse amigo acreano, essa vacina era produzida por índios de varias tribos da Amazônia, tais como os Kanamaris, Katukinas, Kaxinawa, Marubos, Matses, Yaminawa, etc., e estava indicada pra cura da diabetes, colesterol, reumatismo, asma, sinusite e mais uma infinidade de males, além de produzir uma verdadeira desintoxicação no organismo, tornando as pessoas mais saudáveis e longevas. Produzia também uma enlevação da alma, fazendo com que as pessoas se tornassem mais puras e tementes a Deus.  O sapo, na realidade, é um anfíbio local chamado de kampô ou kambô, cujo nome científico é Phyllomedusa bicolor. O seu veneno é poderoso, raspado da costa dessa perereca e armazenado em palhetas de madeira. Nas tribos é sempre aplicado pelo curandeiro, também chamado de sapeiro, que primeiramente queima a pele do braço( nos homens) ou da perna ( nas mulheres)  com a brasa de um palito, fazendo vários pontos onde é aplicado o veneno do sapo. Dizem os indígenas que as mulheres que tomam essas vacinas ficam mais fortes para ajudar na caça, servindo também para curar a “panema”, uma espécie de depressão do índio.
            Depois de ter todos esses conhecimentos, confesso que já estava de malas prontas para viajar para o Acre, quando fui informado que um índio curandeiro estaria de passagem aqui em Porto Velho e faria a vacina naquelas pessoas que se interessassem. Iria atender apenas naquele final de semana, pois tinha que retornar ao Acre, as pressas, onde sua tribo o esperava. Custaria R$ 100,00  (cem reais) a aplicação. Não tive dúvida, eu seria um candidato em potencial! Recebi orientação para fazer uma dieta três dias antes, evitando comidas sólidas. No dia da aplicação, o jejum tinha que ser absoluto. Nem água eu deveria tomar antes da “vacina”.Como a mídia já tinha feito um alarde sobre esse tema, noticiando inclusive a morte de uma pessoa em Pindamonhangaba – SP.,  em 2008, o curandeiro estava preocupado com a Polícia Federal que estava investigando essa situação, inclusive visitando as tribos indígenas no Acre e em outras aldeias da selva amazônica. Sabia-se até de estrangeiros vindos  dos Estados Unidos, da Europa e da Asia no afã de tomar a tal vacina de sapo ou então levar algumas palhetas para seus países, cometendo assim a chamada  biopirataria, crime internacional, alvo de investigação pelos órgãos federais.
            Depois de ler o depoimento de varias autoridades no assunto, inclusive do biólogo Missawa que fez uma parceria com os índios Huni-Kui (Kaxinawa) sem êxito na tentativa de obter autorização para estudos das características e dos efeitos imunológicos do veneno do sapo, através do Institto Butantan, eu resolvi que deveria experimentar essa “vacina”, uma vez que ela já estava incorporada na cultura da chamada terapia da selva.
             Chegou o meu dia. Era  sábado e eu estava ansioso para saber qual seria a minha reação frente aquela “vacina”. Estava juntamente com outras pessoas em uma chácara nos arredores de Porto Velho, onde havíamos dormido por recomendação do sapeiro. As 5:30 da manhã o curandeiro mandou que nos acordassem. Recomendou mais uma vez que ficássemos em absoluto jejum. Levou-nos para o terreiro que ficava próximo a um igarapé, recomendando que deveríamos ter em mente as coisas que mais nos incomodavam, não apenas as doenças mas também os enigmas  espirituais para os quais não temos explicações. Pediu novamente que nos concentrássemos, fez algumas orações em língua indígena, que nada entendi. Depois levou todos para outro aposento da casa, dizendo que a vacina tinha que ser aplicada um por um de cada vez. Cada aplicação levaria aproximadamente uma hora, pois algumas pessoas poderiam necessitar de cuidados mais demorados. Perguntou se alguém gostaria de ser o primeiro e eu imediatamente me apresentei. Levou-me então para fora da casa e nos dirigimos para a beira do igarapé. Ali estavam uma mulher índia e seu auxiliar também índio, o qual meteu a mão em um saco de pano e tirou de lá de dentro uma perereca verde, que já veio com as perninhas amarradas cada uma  por um fio barbante. A seguir o sapinho foi amarrado em duas varetas que estavam fincadas no chão, em paralelo.  O sapinho então ficou estirado, amarrado pelas pernas. Aí foi que o curandeiro se aproximou de mim, pediu-me que tirasse a camisa e se dirigiu a uma pequena fogueira, retirando de lá um palito longo e com a ponta em brasa. Voltou-se para mim e disse:
---Vou fazer pequeninas queimaduras no seu braço.
             Encostando aquela tala com ponta de brasa na pele do meu braço, fez uns sete  furos de queimadura, produzindo muita  dor, porém suportável. Na sequência  pegou uma palheta de madeira e foi até onde o sapo se encontrava esticado pelos fios barbantes. Com a palheta ele raspou o dorso verde do sapo, tirando uma substância gosmenta e ligeiramente esverdeada. Voltou-se para mim e esfregou aquela substância em cada foco de queimadura no meu braço. Em trinta segundos comecei a sentir tonteira e mal-estar. A seguir vieram náuseas e fortes dores no estômago que me fizeram vomitar. A dor de cabeça parecia que ia explodir meus miolos. Minha pressão arterial subiu rapidamente. Meus olhos parece que iam saltar das órbitas. Consegui me acalmar, pensando que tudo era passageiro e que dentro dos próximos cinco minutos eu estaria melhor. Não estava e continuei piorando. Veio a diarreia com cólicas intensas. Um suor frio saia de todos meus poros. A respiração estava ficando difícil.  Acho então que desmaiei.
            Foi aí que tudo aconteceu. O ambiente era diáfano, havia uma paz absoluta e seres transparentes passavam por mim. Havia uma musicalidade suave de fundo e uma sensação de conforto pleno. Um ser angelical aproximou-se de mim e perguntou o que eu desejava ali.
--Quero falar com Deus! – disse-lhe.
            O ser afastou-se e fez um gesto para que eu o seguisse. Entramos em vários ambientes de luz, como se fosse um túnel, e onde cada vez mais a sensação de bem estar tomava conta de mim. Finalmente, abriu-se uma grande porta e vi sentado em uma poltrona brilhante muito grande e alta aquela figura também diáfana, com uma aureola dourada. Estava de costa para mim. Não precisava falar comigo através de palavras, pois eu entendia tudo o que me dizia e bastava que eu pensasse para que Ele me respondesse.
--Que queres aqui meu querido e curioso filho?
--Senhor, perdoai-me por ser curioso e não compreender muitas coisas da vida.
--O que queres saber filho querido?
--Porque existem pobres e ricos? Porque existem abastados e miseráveis? Porque uns esbanjam enquanto outros milhares amargam a fome cruel e vergonhosa? Porque crianças já nascem condenadas a morte ou com doenças incuráveis para sofrerem o resto de suas vidas? Porque existem pessoas boas e íntegras e outras são vis e de mau caráter? Porque tanta violência?Porque os povos fazem guerra, onde morrem milhares de inocentes? Porque?
              Quando Ele girou sua poltrona e ficou de frente para mim, o que vi deixou-me ainda mais perplexo, a ponto de explodir:  o rosto de Deus era o meu rosto! Foi então que recebi um forte jato de água fria no meu rosto, acordando-me de vez.
--Já chega! Já chega, meu caro amigo cara pálida! Você delirou muito e deu muito trabalho pra nós. Vá dar um mergulho naquele igarapé pra passar de vez essa lombra! --disse o curandeiro, já um tanto mal humorado.
              Guardo até hoje as sete cicatrizes da “vacina”de sapo no meu braço esquerdo. Nunca mais voltei a sofrer de sinusite.


PVH-RO, 22/10/13

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