sexta-feira, 22 de novembro de 2013

NO ESCURINHO DO CINEMA

NO ESCURINHO DO CINEMA
Samuel Castiel Jr.

 



A noite todos os gatos (e gatas) são pardos.





            O gongo já tinha soado pela terceira vez. O filme estava prestes a começar. Mas ainda havia algumas pessoas na sua  frente para comprar o ingresso. Foi quando ela passou com outra amiga, apressada para pegar também aquele cineminha.  Marcelão era matreiro para as mulheres. Gostava sempre de ser um dos últimos a entrar no cinema, quando as luzes já estavam se apagando. Arriscou uma piscada de olho, pois aquela morena apressada era  alta, tinha  seios fartos e um bum-bum arrebitado. Pra surpresa do Marcelão, ela correspondeu com outra piscada de olho e um leve sorriso maroto. Tinha chegado a sua vez no guichê e foi preciso a pessoa de trás tocar no seu ombro para chamar sua atenção, pois ele estava vidrado naquela morena que acabara de entrar na sala de projeção. Passou na roleta e entrou quase correndo na mesma porta por onde a morena sumiu por trás das cortinas. Parou. Deu um tempo para que seus cones e bastonetes se adaptassem a penumbra. Foi entrando sem enxergar quase nada. De repente aquela mão agarrou o seu braço e o puxou:
-- Tem um lugar aqui.
            Era a morena, com voz sensual, que correspondeu a sua piscada de olho quando entrava apressada. Não podia ver muitos detalhes, mas o seu perfil era interessante, sua voz grave, sensual. Seu perfume importado, não era cubano. Não largou mais a sua  mão durante todo o filme. Ficaram ali de rostos juntinhos. Chegaram a trocar beijinhos e outras carícias. Marcelão ainda tentou pegar naqueles seios fartos mas ela delicadamente afastou sua mão. Insistiu em outras carícias até mais ousadas porém foi sempre sutilmente desarmado. Lembrava-se apenas que o filme era uma comédia com a Ingrid Guimarães, a qual de vez enquando arrancava gargalhadas coletivas. Mas, na realidade, sua atenção não estava na tela. Quando sentiu que o filme caminhava para o fim, sussurrou ao ouvido da morena que queria o número do seu celular, mas também não obteve êxito, pois ela o tirou dizendo que não tinha nenhum celular, estava apenas de passagem pela cidade, devendo viajar ainda aquela semana, sem saber quando voltaria. Marcelão achou que era um blefe, talvez apenas para se valorizar. O filme acabou felizmente ou felizmente acabou sem que ela aceitasse suas  mãos quase sempre atrevidas. Sabia como eram essas zinhas, se fazendo de difíceis pra depois dar o bote. Quando as luzes do cinema se acenderam, deu um beijinho em seu rosto, saiu apressada com sua amiga e se perderam na multidão.
           Os dias se passaram, o Marcelão continuava intrigado com aquela morena. Chegou a voltar ao mesmo cinema mas nem sinal da morena.  Até que recebeu um telefonema. Era a colega da Brigitte, a moça do escurinho do cinema. Disse-lhe que tinha notícias da Bri e que estava ligando pra transmitir-lhe um recado: a Bri tinha lhe pedido que o procurasse para dizer-lhe que gostara muitíssimo dele, porém não teve a oportunidade de dizê-lo, pois havia viajado logo em seguida. Em outras palavras, estava apaixonada!...Gostaria, se possível fosse, dizer isso pessoalmente a ele algum dia. O Marcelão ficou desconcertado, mas perguntou:
---Pra onde a Bri viajou?
---Ela voltou pra Europa. Mora em Milão já faz mais de dez anos. É o terceiro de cinco filhos, órfãos de pai, e ajuda sua mãe como pode. De vez em quando vem ao Brasil visitar sua mãe.
---Espera um pouco! – disse Marcelão quase gritando. Você se enganou quando falou. Acho que quis dizer que ela é a terceira filha, não é?
---Meu Deus, não tenho autorização para falar desse assunto com você nem com ninguém.
---Agora quero saber tudo! Você tem que falar.
---Ok! Não vou esconder nada de você. A Bri na realidade é um traveco! Mas já está toda siliconisada. Melhor que muitas mulheres por aí. Ela ganha a vida na Europa, recebe em dólar e assim pode ajudar sua família.
          O chão faltou aos pés do Marcelão. Logo ele, que gozava de todos seus amigos que passavam por situações semelhantes. Não queria acreditar no que acontecera. Ficou mudo ao telefone, ao ponto da colega da Bri perguntar do outro lado:
--- Alô! Você tá me ouvindo? Não desligue.
---Ok, pode continuar falando. É que estou chocado! Não é fácil ouvir essa revelação. Estou confuso, pois troquei carinhos com ela, quer dizer, com ele, sei lá!... E os beijinhos?
        Com uma voz conciliadora ela prosseguiu:
---Não seja preconceituoso Marcelão! Nos dias de hoje isso tá ficando muito comum.
---Mas...
-- Não diga mais nada! Se o que eu vou lhe dizer agora vai servir para seu consolo ou fará você se sentir menos desconfortável, não sei, mas  vou  informa-lo em primeira mão: a Bri vai se operar  ainda este ano. Irá submeter-se a uma vaginoplastia ou cirurgia  SRS, ou seja, redesignação sexual. Aí quem sabe você se sinta mais a vontade.
            Ele não disse nada.
            Ela desligou. 




Nota do Autor:  Qualquer semelhança com o fato e os personagens terá sido mera coincidência.
                                                                                                                                         
PVH-RO, 22/11/13

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