sexta-feira, 27 de dezembro de 2013

TRATAMENTO ALTERNATIVO

TRATAMENTO ALTERNATIVO

Samuel Castiel Jr




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                   “As coisas não são absolutas, elas existem dependendo da percepção de cada um”

                    ( Paulo Coelho )




        Não acreditava em bruxas nem em feitiços. Também não tinha religião. Era agnóstico. Solteirão e independente, até que um dia, por se  encontrar indisposto, sem apetite e sem ter melhora com os remédios que vinha tomando por conta propria, começou a ficar intrigado com a sugestão de algumas amigas que insistiam em que o seu mal-estar nada mais era do que “mal olhado” ou trabalho que algum desafeto teria lhe jogado.  Não foi preciso muita insistência para sua amiga Diná levá-lo a uma benzedeira.
-- Vamos lá, Carlão! Dona Cotinha é a melhor de todas. Já trabalha a anos, tem experiência com todo tipo de mal olhado e já curou muita gente!
             Dona Cotinha realmente era muito respeitada pelos trabalhos prestados a comunidade. Crianças, jovens e velhos, todos a procuravam com os mais diversos problemas. Dona Cotinha, depois de examiná-lo, com sua fala mansa disse:
-- Meu filho, vou precisar rezar com a mão em sua cabeça, pois você tá com um grande “mal olhado”!  
    Pegou um ramo que depois Carlão ficou sabendo tratar-se de arruda. Benzeu, rezou, sempre molhando o ramo de arruda na água benta de uma bacia. Depois pegou um pedaço de barbante e disse ao Carlão:
-- Carlão, meu filho, além do “mal olhado”, você também tá com “espinhela caída”. Vou livrar você também desse mal! Tenho uma boa reza pra isso, nunca falhou!
     Com o barbante, mediu a circunferência de sua cabeça, depois a distância entre seus ombros e também a distância que vai da base do pescoço até a boca do estômago.
      Carlão já estava ficando impaciente, mas ela concluiu:
-- Tinha certeza! Essa cara e essa moleza nunca me enganaram!
      Rezando, benzendo e fazendo o sinal da cruz com o polegar da mão direita, ia de sua testa até a boca do estômago. Depois puxava a pele com os dedos, desde a base do pescoço até o umbigo. Fez isso por uns dez minutos, até que a pele do Carlão já estava vermelha e quente. Depois pediu a ele que rezasse três Ave-Maria e três Pai-Nosso e o liberou. Carlão saiu de lá se sentindo mais leve. Ficou matutando quem teria olhado mal para ele? E a “espinhela caída”? Que negócio mais estranho!...
        Depois de algum tempo de bem-estar, Carlão voltou a ficar incomodado. Tudo pra ele estava dando errado. Até perdeu o emprego de tantos anos na Caixa Econômica. Sua poupança começou a minguar. Foi quando  outra vez apareceu sua velha amiga Diná:
-- Meu amigo Carlão, esse azar todo em cima de você só pode ser um “descarrêgo”. Vou levá-lo a um centro e você vai sair de lá outro homem.
    Carlão concordou e foi. O nome do médium era Ormiro de Ogum, vindo direto da Bahia. Jogava cartas e Buzios, também era vidente. Aproximava ou distanciava pessoas. Já tinha casado muitas pessoas que não tinham mais esperanças no amor. Também andou fazendo trabalhos pra “descasar”. Mas sua linha era branca, recusava trabalho pro mal. Já tinha atendido e aconselhado vários políticos que sempre o procuravam. Quando olhou pro Carlão, mandou que se sentasse e foi logo dizendo:
-- Home, tu tá carregado mais que mangueira depois da floração! Parte esse baralho – ordenou. Vixe! É a carta de uma mulher que vai se aproximar de você. Mas não se avexe, ela é do bem. Acredite e essa  mulher pode lhe trazer muita sorte. Vou preparar um banho especial de “descarrêgo”pra tirar esse carma que jogaram em você. Você deve tomar esse banho na última sexta-feira do mês. Mas repito, fique atento que esse “rabo-de-saia” vai aparecer na sua vida. E tenho certeza que é disso que você tá precisando!...
          Carlão foi pra casa sem muitas esperanças mas, por via das dúvidas, guardou a garrafada do banho para o dia certo. Tomou o banho como lhe fora recomendado e ficou ansioso a espera do resultado. Os dias do Carlão aos poucos  começaram a ficar melhores. Deitado e se embalando na rede da varanda de sua casa, ficou pensando como as coisas tinham melhorado em sua vida. Conseguiu um novo emprego, ganhando até bem mais do que o seu antigo emprego na Caixa. Estava bem de saúde, disposto e realmente nada tinha a reclamar. Sua mulher era carinhosa, fogosa, cuidava bem dele. Não entendia porque passou tanto tempo pra enxergá-la. Foi preciso um tratamento alternativo para que sua vida tomasse um outro rumo e ele encontrasse finalmente o seu grande amor.
         Era um domingo quente, com um sol forte de verão. Consultando o seu relógio Mido Automatic Baroncelli, chamou sua esposa com quem se casara recentemente:
-- Diná, querida! Prepara meu drink de Martini com Soda e traz aqui pro seu Carlão. Mas põe pouco gelo, tá!?...


PVH-RO, 27/12/13

quinta-feira, 12 de dezembro de 2013

Dr. FRED'S KOLL

Dr. FRED’S  KOLL

Samuel Castiel Jr.










       "  Quase todos os médicos têm a sua doença preferida  "

             Henry Fielding




     Era baiano, mas descendente de eslavos. Formou-se em medicina pela Universidade Federal da Bahia. Tinha perdido  sua esposa precocemente, com quem não chegou a ter filhos. Mas não ficou viúvo por muito tempo. Casou-se logo com outra mulher bem mais jovem, que lhe deu vários filhos homens, porém nenhuma mulher. No hospital onde trabalhava era muito conhecido por ser um médico muito inteligente, porém muito polêmico e turrão. Tornara-se perito do Instituto Medico Legal (IML) e vez por outra era designado pela Justiça para fazer exumação de cadáveres, serviço que detestava. Com o passar dos anos entregou-se a bebida e tornou-se alcólatra.  Inicialmente só bebia whisky, mas depois teve que beber cerveja e nem sempre das melhores. Quando começava beber  não tinha horário para parar. Dentre tantas esquisitices, também não gostava de pagar a conta do que bebia. Quando não aparecia nenhum conhecido para pagar sua conta, levantava-se na cara de pau, bem duro, parecendo que tinha engolido uma espada e ia saindo. Não adiantava o garçon  ou o  dono do boteco chamá-lo, pois ele não olhava nem pra trás. Ainda bem que só bebia em botecos cujos proprietários já o conheciam. Anotavam a despesa e cobravam quando ele reaparecia sóbrio.
         O verão estava no auge, com muita poeira em suspensão no ar que se juntava a fumaça das queimadas, fazendo arder nossos olhos e tornando a visibilidade difícil mesmo para pequenas distâncias, ficando complicado e perigoso para os motoristas de automóveis, motos, caminhões e carretas. Alguns voos de aeronaves comerciais eram forçados a desviar suas rotas para aterrisar em aeroportos de capitais vizinhas.
          Naquele final de semana, o Dr. Fred’s Koll tinha tirado plantão na sexta-feira e no sábado resolveu beber. Chegou ainda pela manhã no boteco e pediu uma cerveja estupidamente gelada, “canela-de-pedreiro” – como dizia. Não precisava de companhia. Bebia sozinho. Se aparecesse algum incauto e se dispusesse a ouvi-lo, tudo bem. Caso contrário entrava mudo e saía duro, rígido e calado! Também não gostava de ninguém perturbando ou contando mentiras em sua mesa. Apenas os mais conhecidos eram tolerados na sua mesa. Tinha uma cara muito fechada e séria. Era de poucas ( quase nenhuma ) palavras.
              Não fazia uma hora que ele chegara ao bar, quando pára bem a sua frente uma ambulância. Estava sentado sozinho naquele boteco da periferia da cidade, onde ainda não havia quase ninguém, a não ser um casal que discutia em voz alta, pois o malandro ainda não tinha voltado pra casa. Não adianta beber em bar da periferia – pensou. Sempre acabam me encontrando!
               Salta da ambulância um enfermeiro todo de branco, que ele tanto conhecia:
--- O que houve, Zacarias? Como é que você me encontrou aqui, home de Deus?! E tem mais: tô de folga, saí do hospital a poucas horas!
---Desculpe Dr. Fred’s. Sei que está de folga mas é uma emergência! Um ônibus perdeu o controle e capotou na BR-364, já quase chegando a cidade. O diretor do hospital pediu que viesse buscar o senhor, pois pelo que sabemos existem mortos e feridos graves. O hospital está chamando todos os médicos do corpo clínico para prestar socorro as vitimas desse grande desastre. O senhor tem que ir lá comigo, na ambulância, agora, pra identificar os mortos e mandar os feridos para o hospital.
            O Dr. Fred’s levantou-se e saiu duro, rígido, mal humorado e nem olhou para trás, onde o dono do boteco e o garçon insistiam em chamá-lo para pagar a conta das cervejas já consumidas.
            Chegando ao local do acidente, a cena parecia mais um campo de batalha, depois do massacre. Corpos atirados em todas as direções. Choros, gemidos e gritos pedindo socorro. Muitos curiosos se aglomeravam no local. O Dr. Fred’s foi abrindo caminho, afastando as pessoas e falou para o enfermeiro:
---Zacarias, pega a sua prancheta e a caneta e vem comigo. Vou identificando, examinando e passando os dados pra você.
---Ok Dr.
              E começou o serviço:
---Pedro Farias Damasceno: fratura do braço esquerdo e provavelmente da coluna lombar. Imobilizado mas estável.
---Epifânio Silva: desacordado, sangrando pelo ouvido direito. Provavel traumatismo cranioencefálico (TCE) grave.
---Florinda Torres: ausência de sinais vitais: morta!
          Depois de declarar mortos uns cinco ou seis, o Zacarias chamou:
---Dr., o senhor falou que esse aqui tá morto mas ele se mexeu agorinha!...
           O Dr. Fred’s Koll parou a inspeção e, olhando feio e sério para o Zacarias perguntou:
---Ô Zaca, quem é o médico aqui?
---É claro que é o senhor, Dotô!
---Então quando eu disser que tá morto é porque tá morto!!!
---Mas...

Nota do Autor:  Qualquer semelhança com lugares e personagens deste conto, terá sido mera coincidência.


PVH-RO, 12/13/13

segunda-feira, 9 de dezembro de 2013

O ESTOURO DA BOIADA

Samuel Castiel Jr.
















O que rouba a confiança dos homens é o maior dos ladrões”.




        Muitos o chamavam de Rei do Gado, alcunha que, na verdade,  não o deixava muito confortável. Sua fazenda estendia-se por extensa planície de pasto verde que se perdia no horizonte. Ficava muitas vezes a admirar aquele pasto por horas a fio. Eram mais de três mil cabeças de nelore que pareciam decorar aqueles campos verdes. Indiscutivelmente, Zezão era um fazendeiro bem sucedido.
        Bem lá no fundo da fazenda havia um grande lago, onde o rebanho se refrescava e bebia água nos dias quentes de verão. Alguns búfalos selvagens também ficavam por ali, pois não costumavam misturar-se com o rebanho dos bois brancos. Zezão não gostava muito daqueles búfalos mas deixava que eles ficassem por lá, pois não representavam nenhuma ameaça para sua fazenda. Muitas vezes ficava intrigado de ver como esses animais tratavam seus filhotes. Os machos pra apressar o desmame batiam covarde e grosseiramente nos bezerros, ao ponto de muitas vezes matá-los. Um búfalo adulto chega a pesar meia tonelada. É um animal colossal! Mas, tirando essas esquisitices, não incomodavam o rebanho de nelore. Zezão tinha cerca de cem peões na fazenda, entre boiadeiros, vaqueiros, motoristas de caminhões-gaiolas, tratoristas, etc. Esses peões eram escolhidos a dedo e contratatos pelo próprio Zezão, após uma longa entrevista. Tinha que ser gente de confiança e com habilidade para lidar com o manejo do gado. No último verão contratara mais uns vinte peões, vindos na maioria do sul do Pará e também do Mato Grosso.  Precisava de gente pra vacinação e marcação  do rebanho, além da atividade leiteira, o que envolvia um contingente considerável de mão de obra. Dentre aqueles homens que havia contratato ultimamente, Zezão não tinha gostado muito especialmente de um deles, mas por ter experiência como vaqueiro de grandes pastos, o contratou. Pancho Bêni era um peão da fronteira do Brasil com o Uruguai. Vinha com a experiência de manejo com o gado de corte e de leite. Por isso Zezão o contratou. Mas seu jeito e seu olhar não  agradavam ao Zezão, pois lhe pareciam sempre furtivos. Parece que está sempre escondendo alguma coisa – chegou a comentar com seu capataz, o João Ferreira. O tempo foi passando até que começaram a surgir notícias de roubo de gado nas fazendas vizinhas. O capataz João Ferreira, homem da mais irrestrita confiança de Zezão, já tinha comentado com ele que também não gostava nem um pouco do olhar e do comportamento do Pancho Bêni, vulgarmente conhecido como Sansão, pelos cabelos longos que usava. Estava sempre cochichando com outros peões.
---Se eu pegar algum ladrão de gado na minha fazendo vou enforcá-lo, como no velho oeste americano. Eu juro que o enforco! –dizia Zezão.
           O inverno chegara e com ele as chuvas e tempestades,   com ventos muito fortes.
            Naquela noite havia vários lotes do rebanho separados por divisórias de corda, pois no dia seguinte os caminhões-gaiolas levariam cerca de quinhentas cabeças para serem vendidas a um frigorífico na Capital.
             Era quase meia noite e o silêncio da madrugada que se aproximava, só era quebrado pelo mugido melancólico do gado, como um pranto de dor. As silhuetas de três homens montados a cavalo surgem na escuridão. Vinham sem pressa e em silêncio, sem trocar nenhuma palavra. Parecia que tudo já estava ensaiado e decorado. Aproximaram-se do rebanho previamente selecionado e que só esperava o dia amanhecer para ser transportado ao frigorífico. O vento começou a soprar forte e os relâmpagos e trovões anunciaram a chuva que já começava a cair em pingos fortes. O gado começou a mostrar sinais de inquietação e agitação. Os três homens desceram então de suas montarias e se aproximaram do gado. Tinham que cortar as amarras de cordas que separavam os lotes. A chuva ficava cada vez mais forte. Os relâmpagos e trovões cruzavam os céus. Os homens usando capus, chapéus e capas de chuva trabalhavam freneticamente cortando as cordas dos lotes de nelore, até que um forte relâmpago cruzou o céu e o raio atingiu de cheio uma castanheira que se partiu ao meio, produzindo um estampido forte e agudo, com se fosse o  tiro de um canhão gigante que se perdeu na mata. Foi esse barulho assustador que provocou o estouro da boiada. O gado assustado parecia obedecer ao comando de um líder que ia na frente, numa louca e cega corrida, quebrando e passando por cima de tudo que estivesse a sua frente. Não deu tempo dos ladrões de gado chegarem até seus cavalos, que saíram desembestados, relinchando em desabalada carreira, deixando pra trás seus montadores. A manada enlouquecida só começou a parar no fundo da fazenda, próximo ao riacho, onde ficavam os búfalos, que também já davam sinais de inquietação.
             As cinco e trinta da manhã o capataz da fazenda João Ferreira acordou Zezão para dar-lhe a notícia:
---Patrão, os gatunos de gado visitaram sua fazenda!
---Miseráveis filhos da puta! Não respeitaram nem a forte chuva com temporal que caiu a noite inteira.
---É verdade patrão! Eles não costumam respeitar nada. Mas dessa vez se deram mal e levaram a pior: houve um estouro da boiada provocado por um raio e eles foram pisoteados e mortos pela manada.
---Não me diga, home de Deus!
---É isso mesmo que  está ouvindo, patrão! O senhor não vai precisar gastar suas cordas para enforcar esses malditos! Estão todos mortos e pisoteados. Mas quero que o patrão venha comigo até lá, pois precisa ver uma coisa.
      Ao chegarem perto dos corpos, João Ferreira se abaixou e puxou com força o capuz de um deles:
---Veja, é o Sansão, Chefe! Ele e mais dois comparsas. Tiveram o fim que mereceram. Estão quase irreconhecíveis.
---É verdade, João Ferreira. Vou economizar minhas cordas –disse Zezão. Virou-se e montou em seu cavalo.
---Vamos lá, meu fiel capataz! Faça o que tem que fazer. Depois vá até a casa grande. Vou mandar preparar uma limonada pra nós. Hoje o dia vai ser muito quente.
      E saiu trotando em seu “puro-sangue”. Ia pensando consigo mesmo: é como dizia meu velho pai: ladrão que rouba gado pode um dia ser chifrado. E acrescentou: ou pisoteado. E foi-se embora.


PVH-RO, 09/12/13 

segunda-feira, 2 de dezembro de 2013

UM SANTO REMÉDIO

UM SANTO REMÉDIO
Samuel Castiel Jr.









"O ciumento acaba sempre encontrando mais do que procura."
( Madeleine de Scudéry )


         As primeiras namoradas são as que mais despertam ciúmes. E muitas vezes encontram verdadeiros paladinos, capazes de cometer loucuras por elas.  Muitos homicídios ainda continuam sendo registrados e creditados por conta de um  cego e tresloucado ciúme.
         Era um verão ensolarado, quente e de muita poeira na minha querida Porto Velho. Estavamos no mês de junho e as quadrilhas, arraiais e boi-bumbás animavam nossas noites. Pedro Struthos sempre foi um amigo dileto, desde a doce adolescência quando fundamos e defendemos as cores de um time de futebol de salão (futsal) o saudoso e aguerrido Santa Cruz Futebol Clube. O Pedro tinha um pai muito conservador, porém de bom senso. Quando soube que o seu filho estava pretendendo naquela sexta-feira ir ao arraial da igreja do Rosário, cujo pároco chamava-se João Feio, condicionou seu consentimento se ele fosse na minha companhia, uma vez que sempre me considerou uma das melhores amizades de seu filho Pedro. Entretanto, tínhamos que voltar pra casa até no máximo meia noite. Tudo combinado, com alguns trocados no bolso, saímos para a noitada no arraial. Lá encontramos com a minha namorada que estava acompanhada de algumas amigas. Como todos éramos bons amigos, o clima entre nós ficou ótimo. Meu amigo Pedro estava de olho em uma dessas amigas, porém nada me disse. Acontece que, dentre essas amigas da minha namorada, estava uma que terminara recentemente seu namoro, quase noivado, deixando o Dudu, seu ex, decepcionado e furioso, pois ela insistia em não mais reatar aquela relação. Enquanto  nosso grupo se divertia no arraial,  jogando boliche,  pescaria de presentes e no “tiro-ao-alvo”, eis que o ex-namorado nos viu e, achando que sua ex estava dando mole pro meu amigo Pedro, veio tomar satisfações. Xingou o Pedro, disse-lhe um monte de desaforos em voz alta, quis bater na moça. Foi aí que apareceu o paladino da moça. O Pedro tirou seu relógio do pulso, pediu-me que afastasse as moças e saiu no soco com aquele enlouquecido ex-namorado, que não acreditava ser a outra a sua pretendida. Não acreditava que a sua ex-namorada apenas estava no grupo de amigos, sem namorar ninguém, muito menos com o Pedro. Soco pra cá, soco prá lá, eu tentei e consegui apartar aquela briga sem sentido. Mas acontece que o Dudu estava bêbado, tentando afogar suas máguas  no copo para esquecer seu  grande amor. Apartei a briga, fiz os dois brigões apertarem-se as mãos, pedirem desculpas um para o outro e continuamos nossa diversão visitando os jogos e brinquedos daquele arraial. O Dudu brigão foi embora, os curiosos também. Já  tínhamos quase nos esquecido da briga quando se aproximou uma bicicleta, vindo por trás do nosso grupo. Vinha com velocidade. Pedalando com força vinha um outro conhecido nosso, Aluizio e trazia na garupa o Dudu. Quase não deu tempo para avisar o Pedro. O Dudu saltou em cima dele e os dois rolaram pelo chão, caindo numa vala profunda que ficava a margem daquele local. Os dois rolaram agarrados um no outro, desferindo socos e ponta-és. O Aluizio que vinha pedalando a bicicleta, impediu-me de tentar apartar de novo aquela briga. Os dois tinham que resolver aquela situação na porrada –dizia ele, com bafo de cachaça. Os dois  brigaram no fundo da vala até quando chegou a polícia e botou um fim naquela briga de rua, presenciada lá de cima por curiosos que se aglomeravam para ver tudo do melhor ângulo, ora aplaudindo, oram vaiando. Acabada a luta, cada um foi pro seu lado. Juntei o que tinha sobrado do meu amigo Pedro: um olho roxo, vários hematomas pelo rosto e pelo corpo e todo sujo de lama fedorenta. O Dudu também ficou muito amassado! Fomos andando pra casa, relembrando aquela briga por um motivo banal. Afinal—dizia o Pedro para a ex-namorada ou noiva do Dudu, não era nem em  você que  que eu estava de olho. Alguma das garotas propôs que todos fossemos pra casa de uma delas pra fazer limpeza e curativos no Pedro. Concordei mas olhei no relógio, e já era quase meia noite. Fizemos a limpeza dos ferimentos, lavamos os hematomas, mas o rosto do Pedro continuava horrível, inchado e com aquele olho roxo, quase fechado. A dona da casa propôs então que colocássemos um bife cru de carne bovina em cima do olho roxo do Pedro.
---É um santo remédio, dizia ela.
            Foi lá pra dentro da casa e voltou com um bife.
---Pedro, meu filho, esse bife é o único que tenho na geladeira e já estava até temperado, mas eu o lavei bastante na torneira. Coloque-o em cima do seu olho machucado e vai ver como logo fica bom.
          O Pedro pegou bife e o colou em cima do seu olho esquerdo. O cheiro do tempero ainda estava forte e o coitado do Pedro ficou parecido com um pirata que tivesse tido  seu olho enucleado. Depois de mais ou menos meia hora, sugeri que o Pedro tirasse aquele  bife ridículo do olho para ver o resultado, até porque estava ficando muito tarde pra gente voltar e o seu pai certamente já estaria impaciente. Quando ele tirou, a decepção foi total! O olho do Pedro parecia mais roxo.
---Acho que ficou foi pior Pedro, disse-lhe eu. Acho que o  hematoma reagiu com o tempero, principalmente com o vinagre e o cuminho, puxando ainda mais o roxo do seu olho. Vamos embora que eu estou imaginando  o que vai acontecer!...
          Quando chegamos a casa do Pedro, vi que as luzes da casa estavam todas acessas. Batemos a porta e Seu Paulo veio nos receber.
---Isso são horas de chegar! – foi logo dizendo sem nos encarar direito.
         Quando olhou para o Pedro, fez uma cara de espanto, arregalou os olhos e olhou para mim:
---Que foi isso?
          Eu já tinha treinado durante o percurso quais seriam minhas palavras para justificar aquele estado do meu amigo Pedro.
---Foi o seguinte Seu Paulo: ...
          Ele me interrompeu:
---Não precisa dizer mais nada, Samuel:
          Olhando pra cara amassada do Pedro disse-lhe:
---Você entra! E você fora! Apontou para a porta da rua.
          Confesso que saí sem poder justificar que o Pedro, seu filho querido, tinha lutado para defender a honra e a integridade de uma mocinha indefesa, nossa amiga, que corria o risco de ser massacrada pelo brutamonte de seu ex-namorado.
          Com o passar dos dias, o Seu Paulo ouviu do Pedro a realidade do que acontecera. Arrependido do tratamento que havia me dado aquela noite, mandou–me um recado que gostaria de fala comigo. Fiquei apreensivo, pois já tinha esquecido as palavra da defesa do Pedro  naquela noite. Mas nem foi preciso, pois pediu-me desculpas e disse-me que estava arrependido por ter-me mandado embora naquela noite, daquele jeito. Afinal, seu filho tinha sido um paladino defensor daquela moça. Que ele, seu pai, no seu lugar, teria feito o mesmo ou pior! Ficamos mais amigos ainda do que já éramos!
          Quando eu já me despedia do Seu Paulo, ele me chamou outra vez e me disse:
---Eu só não entendi uma coisa, Samuca: esse bife cru no olho do Pedro!?
---Eu também não, Seu Paulo. Mas dizem que é um santo remédio!
          E fui embora.

PVH-RO, 02/12/13