segunda-feira, 2 de dezembro de 2013

UM SANTO REMÉDIO

UM SANTO REMÉDIO
Samuel Castiel Jr.









"O ciumento acaba sempre encontrando mais do que procura."
( Madeleine de Scudéry )


         As primeiras namoradas são as que mais despertam ciúmes. E muitas vezes encontram verdadeiros paladinos, capazes de cometer loucuras por elas.  Muitos homicídios ainda continuam sendo registrados e creditados por conta de um  cego e tresloucado ciúme.
         Era um verão ensolarado, quente e de muita poeira na minha querida Porto Velho. Estavamos no mês de junho e as quadrilhas, arraiais e boi-bumbás animavam nossas noites. Pedro Struthos sempre foi um amigo dileto, desde a doce adolescência quando fundamos e defendemos as cores de um time de futebol de salão (futsal) o saudoso e aguerrido Santa Cruz Futebol Clube. O Pedro tinha um pai muito conservador, porém de bom senso. Quando soube que o seu filho estava pretendendo naquela sexta-feira ir ao arraial da igreja do Rosário, cujo pároco chamava-se João Feio, condicionou seu consentimento se ele fosse na minha companhia, uma vez que sempre me considerou uma das melhores amizades de seu filho Pedro. Entretanto, tínhamos que voltar pra casa até no máximo meia noite. Tudo combinado, com alguns trocados no bolso, saímos para a noitada no arraial. Lá encontramos com a minha namorada que estava acompanhada de algumas amigas. Como todos éramos bons amigos, o clima entre nós ficou ótimo. Meu amigo Pedro estava de olho em uma dessas amigas, porém nada me disse. Acontece que, dentre essas amigas da minha namorada, estava uma que terminara recentemente seu namoro, quase noivado, deixando o Dudu, seu ex, decepcionado e furioso, pois ela insistia em não mais reatar aquela relação. Enquanto  nosso grupo se divertia no arraial,  jogando boliche,  pescaria de presentes e no “tiro-ao-alvo”, eis que o ex-namorado nos viu e, achando que sua ex estava dando mole pro meu amigo Pedro, veio tomar satisfações. Xingou o Pedro, disse-lhe um monte de desaforos em voz alta, quis bater na moça. Foi aí que apareceu o paladino da moça. O Pedro tirou seu relógio do pulso, pediu-me que afastasse as moças e saiu no soco com aquele enlouquecido ex-namorado, que não acreditava ser a outra a sua pretendida. Não acreditava que a sua ex-namorada apenas estava no grupo de amigos, sem namorar ninguém, muito menos com o Pedro. Soco pra cá, soco prá lá, eu tentei e consegui apartar aquela briga sem sentido. Mas acontece que o Dudu estava bêbado, tentando afogar suas máguas  no copo para esquecer seu  grande amor. Apartei a briga, fiz os dois brigões apertarem-se as mãos, pedirem desculpas um para o outro e continuamos nossa diversão visitando os jogos e brinquedos daquele arraial. O Dudu brigão foi embora, os curiosos também. Já  tínhamos quase nos esquecido da briga quando se aproximou uma bicicleta, vindo por trás do nosso grupo. Vinha com velocidade. Pedalando com força vinha um outro conhecido nosso, Aluizio e trazia na garupa o Dudu. Quase não deu tempo para avisar o Pedro. O Dudu saltou em cima dele e os dois rolaram pelo chão, caindo numa vala profunda que ficava a margem daquele local. Os dois rolaram agarrados um no outro, desferindo socos e ponta-és. O Aluizio que vinha pedalando a bicicleta, impediu-me de tentar apartar de novo aquela briga. Os dois tinham que resolver aquela situação na porrada –dizia ele, com bafo de cachaça. Os dois  brigaram no fundo da vala até quando chegou a polícia e botou um fim naquela briga de rua, presenciada lá de cima por curiosos que se aglomeravam para ver tudo do melhor ângulo, ora aplaudindo, oram vaiando. Acabada a luta, cada um foi pro seu lado. Juntei o que tinha sobrado do meu amigo Pedro: um olho roxo, vários hematomas pelo rosto e pelo corpo e todo sujo de lama fedorenta. O Dudu também ficou muito amassado! Fomos andando pra casa, relembrando aquela briga por um motivo banal. Afinal—dizia o Pedro para a ex-namorada ou noiva do Dudu, não era nem em  você que  que eu estava de olho. Alguma das garotas propôs que todos fossemos pra casa de uma delas pra fazer limpeza e curativos no Pedro. Concordei mas olhei no relógio, e já era quase meia noite. Fizemos a limpeza dos ferimentos, lavamos os hematomas, mas o rosto do Pedro continuava horrível, inchado e com aquele olho roxo, quase fechado. A dona da casa propôs então que colocássemos um bife cru de carne bovina em cima do olho roxo do Pedro.
---É um santo remédio, dizia ela.
            Foi lá pra dentro da casa e voltou com um bife.
---Pedro, meu filho, esse bife é o único que tenho na geladeira e já estava até temperado, mas eu o lavei bastante na torneira. Coloque-o em cima do seu olho machucado e vai ver como logo fica bom.
          O Pedro pegou bife e o colou em cima do seu olho esquerdo. O cheiro do tempero ainda estava forte e o coitado do Pedro ficou parecido com um pirata que tivesse tido  seu olho enucleado. Depois de mais ou menos meia hora, sugeri que o Pedro tirasse aquele  bife ridículo do olho para ver o resultado, até porque estava ficando muito tarde pra gente voltar e o seu pai certamente já estaria impaciente. Quando ele tirou, a decepção foi total! O olho do Pedro parecia mais roxo.
---Acho que ficou foi pior Pedro, disse-lhe eu. Acho que o  hematoma reagiu com o tempero, principalmente com o vinagre e o cuminho, puxando ainda mais o roxo do seu olho. Vamos embora que eu estou imaginando  o que vai acontecer!...
          Quando chegamos a casa do Pedro, vi que as luzes da casa estavam todas acessas. Batemos a porta e Seu Paulo veio nos receber.
---Isso são horas de chegar! – foi logo dizendo sem nos encarar direito.
         Quando olhou para o Pedro, fez uma cara de espanto, arregalou os olhos e olhou para mim:
---Que foi isso?
          Eu já tinha treinado durante o percurso quais seriam minhas palavras para justificar aquele estado do meu amigo Pedro.
---Foi o seguinte Seu Paulo: ...
          Ele me interrompeu:
---Não precisa dizer mais nada, Samuel:
          Olhando pra cara amassada do Pedro disse-lhe:
---Você entra! E você fora! Apontou para a porta da rua.
          Confesso que saí sem poder justificar que o Pedro, seu filho querido, tinha lutado para defender a honra e a integridade de uma mocinha indefesa, nossa amiga, que corria o risco de ser massacrada pelo brutamonte de seu ex-namorado.
          Com o passar dos dias, o Seu Paulo ouviu do Pedro a realidade do que acontecera. Arrependido do tratamento que havia me dado aquela noite, mandou–me um recado que gostaria de fala comigo. Fiquei apreensivo, pois já tinha esquecido as palavra da defesa do Pedro  naquela noite. Mas nem foi preciso, pois pediu-me desculpas e disse-me que estava arrependido por ter-me mandado embora naquela noite, daquele jeito. Afinal, seu filho tinha sido um paladino defensor daquela moça. Que ele, seu pai, no seu lugar, teria feito o mesmo ou pior! Ficamos mais amigos ainda do que já éramos!
          Quando eu já me despedia do Seu Paulo, ele me chamou outra vez e me disse:
---Eu só não entendi uma coisa, Samuca: esse bife cru no olho do Pedro!?
---Eu também não, Seu Paulo. Mas dizem que é um santo remédio!
          E fui embora.

PVH-RO, 02/12/13

Nenhum comentário:

Postar um comentário