sexta-feira, 21 de fevereiro de 2014

ARRIBA TOURO

ARRIBA TOURO

 Samuel Castiel Jr.















             Matar aula não é um exercício de cidadania. Principalmente quando seus pais estão se matando pra pagar a mensalidade do seu colégio. Vivíamos nossa mansa e venturosa adolescência. Naquela sexta-feira quando cheguei ao curso de Admissão da Professora Elvira, antes de entrar no prédio, fui convidado a participar do  grupo que iria "gazetar"a aula. O plano era ir tomar banho no igarapé das Pedrinhas, um balneário que tinha água fria e límpida. Como não dispúnhamos de carro, iríamos andando até lá. Entretanto, para chegar a esse balneário, tínhamos que passar por dentro da pista do antigo aeroporto,  que começava onde fica hoje o Ginásio Claudio Coutinho, indo em direção aos Milagres, na nossa antiga Porto Velho. Nesse local,  além  de  aviões  havia  também búfalos nômades e selvagens que vez por outra entravam na pista, colocando em risco pousos e decolagens. 
          O igarapé das Pedrinhas era realmente um oásis, cercado de arvores frondosas, água limpa e fria, deixando que se enxergasse o fundo do igarapé, composto por pedrinhas como se fosse brita, porém eram pedrinhas lisas que não machucavam nossos pés. Havia o galho de uma arvore que pendia por cima  das águas  e nós  o utilizávamos como trampolim. Atirávamo-nos lá de cima dando mergulhos espetaculares. Alguns ainda davam saltos  chamados de mortais, virando cambalhotas no ar.  Depois de  muitos mergulhos, estava na hora de começar a voltar pra casa. O sol já começava a se por e não podíamos chegar  em casa a noite, pois nossa aula acabava as 18:00h. Entre os  seis gazeteiros, estava o Zé Roberto, amigo de todas as horas e um pouco gago, principalmente quando ficava nervoso. Era o mais empolgado com o passeio naquela tarde de verão. Antes de deixarmos o balneário das Pedrinhas, fomos apanhar frutas que estavam maduras nas fruteiras que ficavam no entorno do igarapé. Colhemos pitangas, cajus, tucumãs e goiabas. Amarramos essas frutas com nossas camisas, enfiando uma varinha e carregando tudo sôbre o ombro, como se fosse uma trouxinha de roupa. Mas o Zé Roberto, disse que não iria levar nenhuma  fruta pra casa, pois se assim o fizesse iria acabar se denunciando para os seus pais. Estava vestido com uma camisa vermelha, que tirou e a pendurou no seu próprio ombro. Começamos então a voltar para casa pelo mesmo caminho que fomos, ou seja, tendo que passar pelo bairro dos Milagres e também pela pista do aeroporto. Quando avistei de longe aqueles búfalos, fiquei preocupado. Eram gigantes negros colossais de mais ou menos uns 500 kg, chifres sinuosos e pontiagudos.  Estavam agrupados dentro de uma grande poça de lama e, ao nos avistar, começaram a dar sinais de inquietação. Alguns deles saíram da poça de lama e arrastavam ruidosamente suas patas dianteiras e   cascos  no solo. Foi então que o Zé Roberto pra fazer gaiatice, pegou sua camisa vermelha que trazia sobre seu ombro e começou a fazer gestos de toureiro, de frente para os búfalos. 
--0lé!... Olé!...Vem touro!...
     Nós que vínhamos atrás, vimos um dos búfalos soltar ruidosamente um ruído  pela venta como se fosse um espirro, arrastou seus cascos no solo e partiu pra cima do Zé. O coitado do Zé, assustado e pêgo de surpresa, partiu numa desabalada carreira com o touro no seu encalço. Nós que continuávamos atrás, também começamos a correr para fora da pista que era cercada por arames lisos enviados em morões  de madeira. Mas o assustado Zé, em vez de correr pra lateral tentando ficar fora da pista, ou seja,  fora do alcance do enfurecido touro, correu em linha reta e quase foi alcançado pelo búfalo quando no ultimo segundo se jogou ao solo e rolou pra fora da pista, por baixo dos arames. Em pânico, o Zé continuava agarrado a sua camisa vermelha, o que enfurecia e atraía ainda mais o bicho. Muito ofegante, sem graça, mas já fora do alcance do búfalo, ainda ouvi a voz do Zé todo sujo de lama, gaguejando e olhando pra nós com cara de bobo:
--A A -RRI-RRIBA TOURO!...

PVH-RO,  20/02/14

Nenhum comentário:

Postar um comentário