terça-feira, 27 de maio de 2014

QUARTO ESCURO

QUARTO ESCURO

Samuel Castiel Jr.













        A luz apagou. Ouvi imediatamente a voz da minha mãe:
-- Ninguém  se mexe! Vou buscar uma vela. Ouvimos o barulho de alguma coisa caindo quando minha mãe tropeçou na mesinha de centro e derrubou o vaso.
--Zezinho menino, me ajuda! Será possível! Vá lá no meu quarto e vê se acha uma vela, seu imprestável medroso!
     Eu imediatamente senti um arrepio que me fez tremer da cabeça aos pés. Só depois de muitos anos eu viria saber que eu era acluofóbico.   Levantei-me apalpando as coisas que estavam a minha frente, tropecei nos pedaços do vaso quebrado no chão e saí em posição sonambulista. Até chegar e entrar no quarto pareceu-me uma eternidade. Suava frio. Minha cabeça rodava. Vinham a minha lembrança pessoas mortas, vultos fantasmagóricos que poderiam aparecer para mim dentro daquele quarto. Quando cheguei a porta do quarto escuro, tentei pegar na maçaneta para abrir a porta mas outra mão gelada tocou a minha mão. Fiz força para não gritar e consegui abrir a porta. Suava frio e meu coração estava acelerado. As palpadelas fui atrás da vela que deveria estar na gaveta do criado mudo, ao lado da cama. Alguma coisa se enroscou no meu pé e quase desmaiei. Era a corda de um brinquedo de meus irmãos que ficara jogada no chão. Ao adentrar naquele quarto escuro, deparei- me com um preto velho, sentado em uma cadeira. Só que ele estava sem a cabeça! Voltei-me para a porta querendo sair numa desabalada carreira. Mas no rumo da porta havia a cabeça daquele velho, sem o corpo e sorrindo para mim. Quis morrer, meu coração parecia que ia sair pela boca. Ia gritar quando o quarto todo se iluminou com a luz que interrompia aquele blecaute. Olhei-me no espelho e meu rosto estava molhado de suor. Entrei rápido no banheiro, com o estômago em rebuliço. Vomitei e tive diarréia. Quando voltei pra sala, ouvi do meu pai:
--Parabéns, Zezinho! Você está ficando homem de verdade, meu filho. Já consegue até entrar sozinho em quarto escuro!... Quando olhei para o meu pai, o que vi foi o mesmo rosto daquele velho sem cabeça do quarto escuro, com a boca escancarada, sorrindo outra vez para mim. Foi então que ninguém entendeu porque eu saí da sala  em desabalada carreira e só foram me pegar quando eu já estava do outro lado da rua. A mão fria que me agarrou era a mesma que tocara a minha mão na porta do quarto escuro. Virei-me apavorado, mas o rosto que me olhava sem nada entender era o da minha mãe.


PVH-RO, 27/05/14

Um comentário:

  1. Muito bom. Não passei por esta experiência quando criança, pois se a luz apagava, nós (meus irmãos e eu) nos agarrávamos à nossa mãe e não saímos dali por nada. Se ela queria ir buscar a lamparina, lampião ou vela, íamos todos juntos, como filhotes de mucura.

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