quinta-feira, 26 de junho de 2014

TERROR NO AR

TERROR NO AR










          Quando a comissária anunciou que o vôo A 340-500 da Cingapore Airlines iria nos próximos minutos efetuar os procedimentos de decolagem, cujas portas já estavam no automático, virei-me para trás e constatei que aquele vôo estava completamente lotado. Sua rota era saindo de Dubai para Los Angeles, com uma escala em Singapura e duração de vôo das mais longas  da aviação internacional, de aproximadamente 17h e 35 min.,  num  super Airbus.
          Na próxima meia hora após a decolagem, concentrei-me nas nuvens que passavam rápidas cortadas por um dos mais modernos e avançados Airbus do mundo. Com os ouvidos sentindo a rápida altitude que ganhávamos, adormeci. Acordei com a voz de uma comissária de olhos orientais perguntando-me em inglês se aceitaria um lanche ou um drink.
--Um Martini Seco, Duplo com gelo, cereja e bastante soda, por favor. Fiquei ali me deliciando com aquele drink até que depois da comissária ter servido pela terceira vez comecei a me sentir mais leve e agradavelmente bêbado. Adormeci Acordei com alguns gritos que vinham lá de trás do avião. Era uma voz enérgica de homem, falando um inglês arrastado,  mas também gritava e bradava em  japonês. Quando olhei pra trás não entendi nada: um ninja vestindo roupas negras e com o rosto parcialmente coberto, gritava e fazia gestos ameaçadores, portando duas pistolas, uma em cada mão. Outro ninja saiu do toalete da frente da aeronave, portando um sabre e também gritando impropérios, com gestos ameaçadores. Tinha feito uma comissária refém e numa gravata de pescoço arrastava-a pelo corredor da aeronave. Houve então ao mesmo tempo um misto de espanto e perplexidade coletivos. Ordenou que todos baixassem suas cabeças se não quisessem que elas fossem decpitadas.
__ Sou Dakufaiã Haráchi e meu companheiro é o  discípulo mais aplicado que já tive, Hattori Hanzo. Somos ninjas dos mais elevados dans. Estamos lutando  em nome do Japão, contra a política expansionista chinesa. Não queremos nem aceitamos que os membros da Asean (Associação de Nações do Sudeste Asiático) sejam tratados como idiotas e ludibriados e ultrajados pelo poderio imperialista da China. Por isso, declaramos este vôo seqüestrado e refém da nossa luta, até que as autoridades chinesas se sensibilizem por nossa causa.
         Ainda com a cabeça zonza dos drinks e sem querer acreditar no que estava acontecendo a 12.000 m de altitude,  pus-me a pensar: Porque ninjas? Quem são os ninjas? Pelo que li e aprendi como Historiador e Pesquisador de Civilizações Antigas, disciplina que lecionava  como Fellow na Universidade de Tóquio, os ninjas são guerreiros japoneses, também conhecidos como assassinos das sombras tanto pelas suas vestes escuras como também pelas estratégias silenciosas, furtivas e ardilosas para surpreender e  matar seus inimigos. Tiveram sua origem na idade média, pelo que se sabe  surgiram no reinado de Shotoku (718-770) tendo se difundido por todo o Japão durante o período conhecido como Sengoku (1467-1568). O Japão atravessava um período de  guerras civis, e as técnicas ninjas começaram então a ser adotadas por famílias que habitavam as montanhas no centro da ilha de Honshu, a maior do país. Quando havia necessidade, as famílias se uniam para enfrentar inimigos comuns. Praticamente desapareceram entre os anos de 1603 a 1.868, no chamado período Edo, quando acabaram-se as guerras e conflitos internos. Nessa época, os ninjas foram perseguidos pela sociedade feudal vigente, sendo submetidos a taxas e impostos exorbitantes. Os principais inimigos dos ninjas eram os samurais, que ajudavam a manter o poder dos senhores feudais. No período seguinte, iniciado pelo império de Meiji, em 1868, tanto ninjas como smurais foram proibidos de usar armas, pois o objetivo do imperador era integrar o país a era moderna e ao resto do mundo. No início do século XX, entretando, os ninjas voltaram a ser usados durante a ocupação da Manchúria, pelo Japão. Na época atual, além das telas do cinema em Hollywood, acredita-se que os ninjas ressurgem, eventualmente, como mercenários ou lutando por causas geopolíticas de países orientais. Mas, o que fazer agora com esses ninjas loucos seqüestrando nosso avião e ameaçando matar todos nós? Afinal que nós tínhamos a ver com essa causa expansionista da China?  Enquanto meus pensamentos rebuscavam a história desses, ouvimos a voz do comandante anunciando que o avião estava realmente  seqüestrado e desviando sua rota oficial, sob ameaça de ninjas mercenários. Pedia ainda que mantivéssemos a calma que tudo poderia acabar bem. A seguir o silêncio instalou-se, quebrado apenas pelos gemidos e suspiros roucos da pobre comissária, mantida sob a “gravata” de braço apertada de um dos ninjas seqüestradores. Alguns minutos se passaram quando gritos histéricos foram ouvidos lá atrás da aeronave. Era uma mulher vestindo burca preta, com o véu encobrindo quase todo o seu rosto, e que, partindo pra cima do ninja, com gritos histéricos e falando impropérios em árabe, tentou esganar o ninja. A explosão que ouvi foi o disparo de uma das pistolas do ninja. A bala zuniu e acertou a cúpula do Airbus, fazendo com que houvesse uma imediata despressurização  e as máscaras de oxigênio caíssem. O gigantesco avião mergulhou num vácuo que pareceu não ter mais fim. O segundo disparo acertou a perna na mulher de burca, jogando-a a distância no chão. Houve um momento de pânico, com gritos histéricos que vinham de quase todos os assentos. A calma voltou a ser restabelecida com a voz do comandante novamente pedindo que todos permanecessem calmos e tentassem manter o equilíbrio, pois caso contrário as conseqüências poderiam ser bem piores. O ninja que atirou na mulher tornou a avisar que qualquer outra tentativa de desarmá-lo seria fatal para todos. A mulher de burca preta continuava gritando e praguejando no chão, com a perna quebrada e perdendo muito sangue. O ninja pegou o megafone e perguntou se havia algum médico no vôo que pudesse atender aquela mulher árabe, acometida de um ataque histérico e que certamente estava servindo para mostrar como os seqüestradores não estavam blefando. Foi aí que eu registrei uma das cenas que jamais vou esquecer: um médico judeu de kipar na cabeça, levantou-se de seu assento e dirigiu-se para a mulher árabe caída no chão da aeronave. Todas as diferenças milenares entre seus povos tinham que ser esquecidas em favor da vida. O médico se ajoelhou perto da mulher, tirou um lenço branco  do seu bolso e com ele  fez um torniquete na tentativa de estancar a hemorragia. A seguir, levantou-a com delicadeza e a carregou em seus braços  de volta  para seu assento, fazendo com que ficasse deitada em sua poltrona, com as pernas elevadas.
        O Airbus voava baixo e podíamos ver lá embaixo a imensidão azul do oceano índico. Voamos assim por mais ou menos uma hora, quando percebi que havia  um certo nervosismo dos ninjas seqüestradores. Olhando de soslaio pela minha janela, percebi que estávamos sendo seguidos por aviões caças chineses. Tive um sensação estranha, pois algo me dizia que nosso fim ou nossa salvação estavam próximos.  A voz do comandante voltou a ser ouvida, anunciando que os chineses detectaram o desvio súbito de rota do Airbus e estavam com caças seguindo nosso vôo. Teria sido o celular de uma criança, que não foi recolhido pelos seqüestradores, e que transmitiu uma mensagem  feita por sua mãe relatando o seqüestro. Nesse momento saiu da cabine o terceiro ninja com o sabre encostado no pescoço do comandante. Aos gritos falou algo ameaçador, gesticulando e, pelo que entendi, ameaçando cortar o pescoço do comandante. Fazendo gestos com suas mãos, o comandante mais uma vez pediu calma a todos. Usando um megafone que lhe foi entregue, o comandante mesmo com o aço frio do sabre em seu pescoço,  explicou que o seqüestro fora descoberto pelo serviço de inteligência chinesa, a qual por via  satélite, localizou a aeronave seqüestrada e determinou sua interceptação através de seus caças. Todos precisariam ter bom senso, ou seja, os passageiros e tripulantes, bem como os guerreiros ninjas também, que deveriam fazer uma avaliação da situação. O comandante se oferecia para ficar como refém dos ninjas e tentar uma negociação que fosse melhor para os seqüestradores, quem sabe até mesmo livrando-os da pena de morte, imposta  pelo governo chinês para tais crimes, considerados hediondos. Houve uma rápida e ríspida troca de palavras entre os ninjas, acho que num dialeto japonês  arcaico, pois nada entendi. A seguir uma explosão quase me matou de um ataque cardíaco e uma espessa nuvem de fumaça branca  encheu o ambiente. Quando eu pude enxergar alguma coisa a minha frente, fiquei sem entender nada: os ninjas tinham sumido do corredor do avião.  Também não estavam na cabine de comando nem nos lavatórios do avião. A mulher da burca preta continuava sentada, gemendo,  com as pernas elevadas, o torniquete improvisado com o lenço branco do médico judeu e sangrando menos.  A comissária que juntamente com o comandante  virara refém permanecia lívida e estática, em pé e em estado de choque no corredor do avião. O odor de pólvora impregnava o ar. Onde estariam os seqüestradores ninjas? A voz do comandante voltou a ser ouvida anunciando que o avião estava em segurança, bem como o co-piloto e todos a bordo. O Airbus estava sendo monitorado pelos caças chineses e retomando sua rota original, devendo em algumas horas fazer um pouso estratégico num aeroporto próximo a Singapura, quando a aeronave seria rigorosamente vistoriada e inspecionada pela polícia e por outras autoridades chinesa.
       Sempre soube de feitos misteriosos, mágicos ou mesmo sobrenaturais praticados por esses guerreiros conhecidos por ninjas, mas o que se passou naquele vôo e o enigmático  sumiço que aqueles seqüestradores tomaram, desaparecendo na fumaça, ficou comigo para sempre na conta do absoluto imponderável.


PVH-RO, 26/06/14

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