segunda-feira, 21 de julho de 2014

A PEDRA DAKÁ

A PEDRA DAKÁ.
Samuel Castiel Jr
















               Tudo pode acontecer numa delegacia, principalmente quando é uma delegacia do interior. O delegado Homero ficou perplexo quando chegou a sua delegacia naquela manhã. Havia uma situação inédita esperando por sua decisão: dois desafetos haviam sido presos, foram as vias fato e conduzidos a sua delegacia por um motivo absolutamente insólido: uma pedra. A princípio achou que fosse uma pedra preciosa ou semipreciosa, que pudesse ter  algum valor de mercado. Mas não. Era uma dessas pedras comuns, chamadas de pedras-jacaré, usadas para construir baldrames de casas de alvenaria. E ainda estava suja, com alguns pedaços de terra agregados. Certo que aquele seu plantão seria mais um cheio de casos escabrosos, mandou que fossem buscar um dos brigões que estava detido.
--Como é o seu nome? –perguntou o delegado.
       Todo vestido de branco, calças e camisas folgadas e um colar comprido de conchas, sentou-se calmamente  a sua  frente e respondeu:
-- Sou Manelzinho de Orixá, doutor.
--O senhor quer me explicar que estória é essa de brigar por causa de uma pedra? O senhor quase matou o seu desafeto!
--Ele não vale nada, doutor! É um ladrão vagabundo.
--Calma seu Manelzinho! Não se esqueça que você está numa delegacia e não pode ficar aí espraguejando e desrepeitando as pessoas na frente do delegado. Posso deixar vocês dois detidos por mais tempo.
--Sim senhor doutor. Eu explico tudo: acontece que o lazarento roubou a pedra Daká que estava sob a minha responsabilidade e depositada no meu congá.
--O senhor quer me explicar que pedra é essa?
--Pois não doutor: a pedra Daká é uma pedra que confere poderes as pessoas para se tornarem Pais-de-Santo, ou seja, de abrir seus próprios terreiros, desde que sejam médiuns, é claro. Acontece que esse poder só pode ser dado, seguindo todo um ritual. E esse ritual prevê que uma pedra seja depositada no congá de um pai-de-santo reconhecido pela comunidade umbandista. Essa pedra fica ali no congá deposita por prazo indeterminado, até que o Pai-de-Santo responsável receba a mensagem para liberar tal pedra. Assim sendo, o novo Pai-de-Santo recebe a sua pedra e com ela  está autorizado a abrir seu próprio congá,  a praticar e presidir todos os atos e rituais umbandistas. Acontece, doutor, que essa pedra já estava no meu congá a quase um ano, porém eu não tinha recebido ainda a instrução do meu santo para entregar essa pedra a ele. O lazarento aproveitou-se da minha ausência, e como a casa estava toda fechada e sem ninguém, arrombou uma das minhas janelas, entrou em casa e roubou a pedra. Como eu já desconfiava desse elemento, fui atrás, botei o cavalo em cima e ele confessou o roubo. Aí eu perdi a cabeça e dei umas porradas nele. Mas como o senhor tá vendo,  ele mereceu.
            O delegado chamou seu ajudante Moi,  pediu que levasse o seu Manelzinho de Orixá de volta pra cela e trouxesse o outro brigão da pedra.
             Entrou na sala do delegado um elemento com andar e voz de malandro, camiseta regata e boné virado pra trás.
--Pronto, Chefia. As suas ordens! 
                 O hálito era de pura cachaça.
--Seu nome por favor.
--Alcides do Tarô, mais conhecido como Alcidinho.
--Pode contar sua estória seu Alcidinho.
--Vai fazer mais de ano que eu tô tentando pegar minha pedra Daká. Mas o infeliz do Manelzinho tá me matando na canseira. Querendo me fazer de trouxa, doutor. Já fui varias vezes a sua casa, mas ele só promete e não me atende. Não quer liberar a minha pedra. Acho que ele tem medo da concorrência, sabe? Não quer que eu tenha meu próprio terreiro. Fica com essa estória que ainda não recebeu instrução pra me liberar e nada. Mas na última vez que eu fui a sua casa, vi que não tinha ninguém e entrei por uma janela que estava só na tranca. Peguei a minha pedra Daká e fui embora. Não mexi em mais nada, juro pro senhor doutor. Só quero o que é meu. E essa pedra é minha! É através dela e de seus poderes que vou poder trabalhar no que é meu!...
           O delegado Homero mandou chamar o Manelzinho de Orixá e frente a frente com o Alcides do Tarô disse:
--Olha aqui vocês dois. Não vou mais continuar com essa conversa de doido. Também não vou manter vocês aqui presos por causa de uma pedra que não tem nenhum valor de mercado, portanto não configura crime no Código Penal Brasileiro. Mas eu juro que caso vocês voltem a brigar ou a se xingar por causa dessa pedra,  eu vou prender os dois por tempo indeterminado.
-- Moi, pode soltar esses dois, porém antes mande assinem o BO ( Boletim de Ocorrência ) bem como os seus respectivos depoimentos.
     Quando já ia saindo, o Alcides do Tarô perguntou:
--Doutor, eu vou poder levar a minha Pedra Daká?
-- Claro que não! Eu vou ficar com ela. É a  prova que ainda tem gente capaz de brigar e até se matar por causa de uma pedra sem nenhum valor. Vá-se embora  daqui seu Alcides, antes que eu me arrependa.
                  Passados alguns minutos olhando para aquela  pedra, o delegado Homero chamou o Moi, mandou buscar aquela marreta  pesada que tinha sido apreendida na sua delegacia, fruto  de um homicídio frustrado,   levou a pedra lá pros fundos da delegacia, e espatifou a pedra Daká sobre o solo.
-- Se pensam que acredito nessas estórias estão muito enganados. Já perdi muito tempo com essa pedra! – resmungou enfezado o delegado.
             No dia seguinte, o Moi chegou com a notícia que estava estampada nos Jornais: "Delegado de Policia capotou sozinho  em seu carro de forma inexplicável. Sua caminhonete particular pegou fogo,  teve perda total, mas felizmente o policial  sobreviveu.  Agora terá que  ficar por algum tempo fora de combate".
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PVH-RO, 21/07/14

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