sábado, 5 de julho de 2014

MACACO NA DELEGACIA

MACACO NA DELEGACIA


Samuel  Castiel Jr.

















         Quando o delegado chegou em seu gabinete naquela segunda-feira, o relógio marcava 7:30h e percebeu que algo incomum estava acontecendo: havia um macaco prego grande dentro de sua sala. O escrivão que  o esperava do lado de fora, apressou-se e correu para se explicar:
--Doutor, tem dois caras aí trancafiados no "chiqueirinho" que quase já se mataram por causa desse macaco. Aí eu resolvi prender o bicho  na sua sala pra ele não fugir, até que o senhor chegasse.
--Mas só faltava essa, Seu Tião! Olha só o que o bicho fez na minha mesa. Rasgou e jogou no chão os papeis que estavam sobre a escrivaninha, desligou todos os cabos do computador, mijou no tapete e quebrou o jarro com as flores. E cadê a minha caneta Mont Blanc?  Onde está? Não é possível, Seu Tião!
         Foi quando o escrivão Tião apontando pro macaco que gritava e pulava passando por cima das estantes:
--Olha lá chefe! A sua caneta está na boca do bicho.
         O macaco enfiava na boca e mordia nervosamente a caneta Mont Blanc do delegado.
--Olha lá o que você fez, seu imprestável! O bicho acabou com a  minha caneta preferida.
--Mas...
         Foi aí que o delegado teve uma brilhante idéia:
--Ô Tião, dá um jeito de prender esse macaco numa caixa ou mesmo dentro de uma dessas estantes que ele já quase destruiu.
--Um momento chefe. Vou pegar um cacho de bananas e já prendo esse infeliz.
         Voltou com uma penca de bananas e oferecendo ao macaco conseguiu prendê-lo dentro de uma das estantes, que previamente já havia esvaziado.
--Pronto chefe: o bicho está preso!
--Mande entrar os caras que estão brigando por esse macaco.  Um de cada vez. Primeiro o mais exaltado. Vou ouvir o que eles tem pra me dizer e, qualquer falta de respeito, meto os dois na cadeia.
--É pra já Doutor!
          O Tião voltou acompanhado de um homem baixo mas troncudo, usando roupas simples e folgadas, moreno claro e de chapéu de palha.
--Bom dia doutor! Meu nome é Abdias, seu criado.
--Sente-se por favor – disse-lhe o delegado sem olhar para ele e apontando para uma cadeira a sua frente. Que estória é essa de trazer um macaco prego pra minha Delegacia?
--Eu explico, Doutor: criei o meu Chico desde pequeno, quando sua mãe foi morta por caçadores lá no seringal Massangana, onde eu trabalhava. Foi preciso dar mamadeira na boca do bichinho, pois caso contrario teria morrido. Ele se tornou tão manso e apegado a mim, como se fosse meu filho. Faz mais ou menos uns dois meses que o meu Chico sumiu misteriosamente. Foi como  num passe de mágica: enquanto eu saí com a minha mulher e minha filha para irmos a missa, como fazemos todo domingo, alguém arrombou nossa porta, entrou lá em casa e levou o Chico de dentro do quarto onde ele ficava trancado quando todos nós precisávamos sair juntos  e ao mesmo tempo. Foi uma judiação seu Doutor. Até hoje minha filha e minha mulher mergulharam numa tristeza só! Nem comer querem mais. Até que ontem um vizinho lá da minha casa chegou com a  notícia que sabia o paradeiro do Chico. Levou-me até a casa desse infeliz que também  tá detido aí,  e eu avistei então o meu  Chico preso por uma corrente pela cintura e numa espécie de gaiola. Fiquei fulo da vida, fui tomar satisfação com esse ladrão de macaco. Aí foi que se deu a confusão, seu Doutor. O infeliz do gatuno se armou de um terçado, ameaçou cortar-me em pedaços caso eu tentasse levar o Chico. Discutimos, brigamos, quase fomos as vias de fato. Mas a sorte é que na hora os vizinhos que assistiam tudo telefonaram para 190 e rapidamente chegou a viatura com os policiais. Aí então vendo a confusão, resolveram trazer todo mundo pra cá pra Delegacia, inclusive o meu Chico.  Como era domingo, o escrivão disse que o senhor só voltaria na manhã de segunda-feira. Aí colocou o Chico na sua sala e deixou nós dois presos esperando no “chiqueirinho”, mas cada um na sua cela. Caso contrário, acho que eu teria esganado aquele ladrão de macaco!
--Calma seu Abdias, não se exalte nem fique falando essas coisas, caso contrário poderá perder a razão e eu terei que prendê-lo. Seu Tião, agora leve o seu Abdias, deixe-o ainda em sua cela,  e traga-me aqui o outro macaqueiro.
--É pra já Doutor!
            Quando  voltou, Tião trazia um homem negro, magro e alto, com roupas sujas e surradas, além de um boné com a aba voltada para trás. Parecia mais jovem que o seu desafeto.
--Dá licença Chefia?
--Tire o boné e sente-se nessa cadeira. Como é o seu nome?
--José Aníbal Carrazu, mas pode me chamar de Maranhão, que é como todos me conhecem.
--Conte pra nós que confusão que você se meteu por causa desse macaco?
--Doutor, esse macaco é meu, foi um presente da minha irmã que mora em Tarauacá, no Acre, pois ela se mudou pra outra cidade e não tinha com quem deixar o bicho. Aí eu aceitei ficar com ele, até que esse doido apareceu lá em casa dizendo que o macaco é dele. Mas o senhor não pode acreditar nas palavras desse sujeito. Juro que esse macaco é meu seu doutor!
--Olha aqui seu Maranhão, não venha com conversa fiada,  dizendo em quem eu devo acreditar ou não, caso contrário eu meto você e o outro macaqueiro na  cadeia. Esse macaco já aprontou demais aqui na minha delegacia, inclusive destruiu a minha caneta Mont Blanc.
         Nisso o macaco começou a gritar estridentemente preso dentro da estante. O delegado ordenou ao escrivão que fizesse o bicho calar.
--Mas chefe, acho que acabou a banana que eu dei pra ele. E não tem mais banana aqui na delegacia.
       Foi então que o delegado teve uma idéia. Pediu que seu escrivão trouxesse o outro preso.  E, frente a frente um do outro disse-lhes:
--Olha aqui vocês dois. Isso aqui é uma delegacia. Não é uma casa de doido. Prestem bem atenção no que eu vou dizer pra vocês. Como o macaco destruiu a minha caneta Mont Blanc, que é caríssima, eu não vou ficar no prejuízo. Aquele que primeiro  me trouxer outra caneta, da mesma marca, leva o macaco. Caso contrario, vou mandar esse bicho hoje mesmo para a Delegacia Florestal do IBAMA, e lá eles sabem o que fazer com esse mico.
       Virou-se e foi saindo. Já na porta avisou:
--Se vocês dois voltarem a discutir ou se pegar por causa desse macaco, juro que vão ficar na cadeia.  Tião, pode liberar esses dois.
       E foi embora para a  sala ao lado, onde uma outra oitiva já o esperava.
       No final da tarde, já cansado daquele expediente, o delegado já voltava para  sua sala, onde o macaco ainda continuava preso e gritando, quando  foi abordado pelo escrivão Tião que lhe disse:
--Doutor, um daqueles macaqueiros taí de novo e quer falar com o senhor.
--Se for lero-lero outra vez, vou mandar prendê-lo agora mesmo. Mande-o entrar.
--Pronto, doutor. O seu Abdias deseja falar com o senhor.
--Diga o que quer dessa vez.
--Doutor, eu tinha umas economias e dois carneiros lá no sítio, vendi tudo e comprei a sua caneta. Aqui está. Me disseram que é igualzinha a sua que meu Chico mordeu. Levei a caneta mordida e aqui está a outra, novinha em folha.
         O delegado chamou o escrivão Tião e mandou entregar o macaco para o Abdias. Tinha plena convicção que aquele era o legítimo dono do macaco.  Ficou ainda por algum tempo sentado em sua poltrona,  meditando e olhando para um livro colocado em sua mesa, cujo título era "Ensinamentos Bíblicos".  Foi  uma atitude salomônica, pensou.


PVH-RO, 04/07/14

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