MACACO NA DELEGACIA
Samuel Castiel Jr.
Quando o delegado chegou em seu
gabinete naquela segunda-feira, o relógio marcava 7:30h e percebeu que algo
incomum estava acontecendo: havia um macaco prego grande dentro de sua sala. O
escrivão que o esperava do lado de fora, apressou-se e correu para se
explicar:
--Doutor, tem dois caras aí trancafiados no "chiqueirinho" que
quase já se mataram por causa desse macaco. Aí eu resolvi prender o bicho
na sua sala pra ele não fugir, até que o senhor chegasse.
--Mas só faltava essa, Seu Tião! Olha
só o que o bicho fez na minha mesa. Rasgou e jogou no chão os papeis que
estavam sobre a escrivaninha, desligou todos os cabos do computador, mijou no
tapete e quebrou o jarro com as flores. E cadê a minha caneta Mont Blanc?
Onde está? Não é possível, Seu Tião!
Foi quando o escrivão Tião apontando pro macaco que gritava e pulava passando
por cima das estantes:
--Olha lá chefe! A sua caneta está na
boca do bicho.
O macaco enfiava na boca e mordia nervosamente a caneta Mont Blanc do delegado.
--Olha lá o que você fez, seu
imprestável! O bicho acabou com a minha caneta preferida.
--Mas...
Foi aí que o delegado teve uma brilhante idéia:
--Ô Tião, dá um jeito de prender esse
macaco numa caixa ou mesmo dentro de uma dessas estantes que ele já quase
destruiu.
--Um momento chefe. Vou pegar um
cacho de bananas e já prendo esse infeliz.
Voltou com uma penca de bananas e oferecendo ao macaco conseguiu prendê-lo
dentro de uma das estantes, que previamente já havia esvaziado.
--Pronto chefe: o bicho está preso!
--Mande entrar os caras que estão
brigando por esse macaco. Um de cada vez. Primeiro o mais exaltado. Vou
ouvir o que eles tem pra me dizer e, qualquer falta de respeito, meto os dois
na cadeia.
--É pra já Doutor!
O Tião voltou acompanhado de um homem baixo mas troncudo, usando roupas simples
e folgadas, moreno claro e de chapéu de palha.
--Bom dia doutor! Meu nome é Abdias,
seu criado.
--Sente-se por favor – disse-lhe o
delegado sem olhar para ele e apontando para uma cadeira a sua frente. Que
estória é essa de trazer um macaco prego pra minha Delegacia?
--Eu explico, Doutor: criei o meu
Chico desde pequeno, quando sua mãe foi morta por caçadores lá no seringal
Massangana, onde eu trabalhava. Foi preciso dar mamadeira na boca do bichinho,
pois caso contrario teria morrido. Ele se tornou tão manso e apegado a mim,
como se fosse meu filho. Faz mais ou menos uns dois meses que o meu Chico sumiu
misteriosamente. Foi como num passe de mágica: enquanto eu saí com a
minha mulher e minha filha para irmos a missa, como fazemos todo domingo,
alguém arrombou nossa porta, entrou lá em casa e levou o Chico de dentro do
quarto onde ele ficava trancado quando todos nós precisávamos sair juntos
e ao mesmo tempo. Foi uma judiação seu Doutor. Até hoje minha filha e minha
mulher mergulharam numa tristeza só! Nem comer querem mais. Até que ontem um
vizinho lá da minha casa chegou com a notícia que sabia o paradeiro do
Chico. Levou-me até a casa desse infeliz que também tá detido aí, e eu avistei então o meu Chico preso por uma corrente pela cintura e numa espécie de gaiola. Fiquei fulo
da vida, fui tomar satisfação com esse ladrão de macaco. Aí foi que se deu a
confusão, seu Doutor. O infeliz do gatuno se armou de um terçado, ameaçou
cortar-me em pedaços caso eu tentasse levar o Chico. Discutimos, brigamos,
quase fomos as vias de fato. Mas a sorte é que na hora os vizinhos que
assistiam tudo telefonaram para 190 e rapidamente chegou a viatura com os
policiais. Aí então vendo a confusão, resolveram trazer todo mundo pra cá pra
Delegacia, inclusive o meu Chico. Como era domingo, o escrivão disse que
o senhor só voltaria na manhã de segunda-feira. Aí colocou o Chico na sua sala
e deixou nós dois presos esperando no “chiqueirinho”, mas cada um na sua cela.
Caso contrário, acho que eu teria esganado aquele ladrão de macaco!
--Calma seu Abdias, não se exalte nem
fique falando essas coisas, caso contrário poderá perder a razão e eu terei que
prendê-lo. Seu Tião, agora leve o seu Abdias, deixe-o ainda em sua cela,
e traga-me aqui o outro macaqueiro.
--É pra já Doutor!
Quando voltou, Tião trazia um homem negro, magro e alto, com roupas sujas e
surradas, além de um boné com a aba voltada para trás. Parecia mais jovem que o
seu desafeto.
--Dá licença Chefia?
--Tire o boné e sente-se nessa
cadeira. Como é o seu nome?
--José Aníbal Carrazu, mas pode me
chamar de Maranhão, que é como todos me conhecem.
--Conte pra nós que confusão que você
se meteu por causa desse macaco?
--Doutor, esse macaco é meu, foi um
presente da minha irmã que mora em Tarauacá, no Acre, pois ela se mudou pra
outra cidade e não tinha com quem deixar o bicho. Aí eu aceitei ficar com ele,
até que esse doido apareceu lá em casa dizendo que o macaco é dele. Mas o
senhor não pode acreditar nas palavras desse sujeito. Juro que esse macaco é
meu seu doutor!
--Olha aqui seu Maranhão, não venha
com conversa fiada, dizendo em quem eu devo acreditar ou não, caso
contrário eu meto você e o outro macaqueiro na cadeia. Esse macaco já
aprontou demais aqui na minha delegacia, inclusive destruiu a minha caneta Mont
Blanc.
Nisso o macaco começou a gritar estridentemente preso dentro da estante. O
delegado ordenou ao escrivão que fizesse o bicho calar.
--Mas chefe, acho que acabou a banana
que eu dei pra ele. E não tem mais banana aqui na delegacia.
Foi então que o delegado teve uma idéia. Pediu que seu escrivão trouxesse o
outro preso. E, frente a frente um do outro disse-lhes:
--Olha aqui vocês dois. Isso aqui é
uma delegacia. Não é uma casa de doido. Prestem bem atenção no que eu vou dizer
pra vocês. Como o macaco destruiu a minha caneta Mont Blanc, que é caríssima,
eu não vou ficar no prejuízo. Aquele que primeiro me trouxer outra caneta,
da mesma marca, leva o macaco. Caso contrario, vou mandar esse bicho hoje mesmo
para a Delegacia Florestal do IBAMA, e lá eles sabem o que fazer com esse mico.
Virou-se e foi saindo. Já na porta avisou:
--Se vocês dois voltarem a discutir
ou se pegar por causa desse macaco, juro que vão ficar na cadeia. Tião,
pode liberar esses dois.
E foi embora para a sala ao lado, onde uma outra oitiva já o esperava.
No final da tarde, já cansado daquele expediente, o delegado já voltava
para sua sala, onde o macaco ainda continuava preso e gritando, quando
foi abordado pelo escrivão Tião que lhe disse:
--Doutor, um daqueles macaqueiros taí
de novo e quer falar com o senhor.
--Se for lero-lero outra vez, vou
mandar prendê-lo agora mesmo. Mande-o entrar.
--Pronto, doutor. O seu Abdias deseja
falar com o senhor.
--Diga o que quer dessa vez.
--Doutor, eu tinha umas economias e
dois carneiros lá no sítio, vendi tudo e comprei a sua caneta. Aqui está. Me
disseram que é igualzinha a sua que meu Chico mordeu. Levei a caneta mordida e
aqui está a outra, novinha em folha.
O delegado chamou o escrivão Tião e mandou entregar o macaco para o Abdias.
Tinha plena convicção que aquele era o legítimo dono do macaco. Ficou
ainda por algum tempo sentado em sua poltrona, meditando e olhando para
um livro colocado em sua mesa, cujo título era "Ensinamentos
Bíblicos". Foi uma atitude salomônica, pensou.
PVH-RO, 04/07/14
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