quarta-feira, 13 de agosto de 2014

GLADIADORES DO ASFALTO


GLADIADORES  DO  ASFALTO

Samuel Castiel Jr.












       Mesmo quem estivesse presente naquele local não acreditava no que via. Motos de 1.200 cilindradas em alta velocidade e   em sentido contrário voavam uma de encontro a outra. Os motoqueiros vestindo roupas pretas, capacetes e botas, traziam um garupa igualmente vestido. Esse homem da garupa portava uma vara longa que apontava para o motoqueiro que vinha em sentido contrario. O objetivo era atingir e derrubar a dupla de motoqueiros adversários. Tinha muito a ver com os esportes medievais japoneses, só que os “cavalos” eram de aço. Quando o motoqueiro era atingido, era jogado a distância, a moto se desequilibrava, caía e saía se arrastando pelo asfalto. Algumas se despedaçavam ou pegavam fogo, explodindo em poucos minutos. Tudo isso aplaudido em delírios e gritos de uma platéia que vibrava histérica. Feridos ou mortos eram retirados do local por ambulâncias particulares, as quais tinham seus médicos e paramédicos. Ninguém podia obstruir a pista, a não ser para retirar pedaços de motos ou de corpos. As disputas eram seqüenciais, frenéticas. Mal uma dupla caía, já vinha outra acelerando, até que toda uma bateria tivesse disputado.
          Esse evento era clandestino, proibido pela polícia e chamado de Os Gladiadores do Asfalto. Ocorria uma vez por ano em um trecho vicinal da autopista BR-316, da Regis Bitencourt,  na divisa do Paraná com  Santa Catarina.
    Oscar Willis tinha 19 anos, filho único de pais abastados, era louro, atlético, e seu hoby era colecionar motos. Halley Davis, Suzuki, Ducati, Honda, Yamaha, tinha motos de todas as marcas. Preferia as de  1200 cilindradas, que eram as mais possantes e que serviam para as competições. Jonhy Aroeira era seu amigo inseparável e costumava competir sempre como garupa, pois era firme, agüentava os trancos e manobras arriscadas,  tinha uma boa pontaria para derrubar seus adversários com a vara, conhecida entre eles com “lança-ponta”. Naquele ano, a competição tinha tudo pra “bombar”, pois as redes sociais estavam cheias de desafios, apostas encontros e convites. Segundo a organização,  que se mantinha sempre anônima, eram esperadas naquele ano mais de cinco mil pessoas no local para assistir o grande show dos Gladiadores do Asfalto.
       Quando o sinal foi dado por um disparo de pistola .40, os pneus cantaram no asfalto, e teve inicio a mais arrojada competição do século XXI, onde os perdedores pagavam muito caro, as vezes com a própria vida, como no histórico Coliseu de Roma antiga. Não havia lugar para fracos ou perdedores. Varias baterias se enfrentaram. Algumas motos caíram, pegaram fogo, motoqueiros caíram mortalmente feridos, tudo sob os aplausos e gritos histéricos de uma platéia delirante. Faltava apenas a última bateria, a mais esperada.  Oscar Willis, apesar e ter sofrido a perda de dois garupas ainda continuava no pareo, para a grande disputa final. Quando os motoqueiros tomaram suas posições para a largada, Oscar Willis foi advertido por seu garupa e amigo inseparável Jhony que havia algo estranho naquela última bateria. O competidor que se postara para a largada não era o conhecido Marley Cilindrada que tinha conquistado sua posição com muita garra para a bateria final. Em seu lugar estava posicionado um motoqueiro desconhecido e estranho, cujo rosto não se deixava visualizar encoberto  pelo capacete com um  visor fumê espelhado, montado em uma moto cuja marca ou modelo eram desconhecidos de todos, porém transparecendo ser máquina de alta potência. Seu garupa igualmente parecia enigmático, com o rosto também coberto por um capacete igual ao do motoqueiro. O ronco do motor dessa máquina também era estranho. E a sua fumaça era preta, tinha com um odor forte de enxofre.
--Oscar, meu caro, olha esse motoca que vai disputar essa última bateria com a gente. Você o conhece?  Não lhe parece estranho?
--Não o conheço, mas deve ser alguém de outro estado ou até mesmo do exterior. Esse esporte anda ganhando adeptos em todo o mundo. Mas não se preocupe, meu velho, vamos derrubar os dois e ganhar esse troféu. Esse ano nem Satanás   vai estragar a nossa festa.  Seremos os  novos campeões dos Gladiadores do Asfalto/14. Não tenha medo, Jhony, vamos vencer!
--Mas... Oscar e essa fumaça com odor de enxofre também  não acha estranho?
--Deve ser algum maluco querendo envenenar o motor da sua moto misturando  combustível e algum aditivo a base de enxofre, o que eu particularmente não concordo, mas se o regulamento permite, nada podemos fazer. Volto a dizer, fique “frio” e vamos ganhar fácil mais essa prova.
      Nesse momento ouviu-se o disparo da pistola .40, dando início a última competição daquela noite.
          As motos roncaram seus motores e partiram em alta velocidade, frente-a-frente em sentido contrário. Quando já faltavam uns duzentos metros para o encontro final, o garupa Jhony falou pelo microfone de capacete com seu piloto:
--Oscar, não falei pra você? Veja só o que está acontecendo:  o motoca e seu garupa tiraram seus capacetes. Não são gente desse mundo, cara! Olha a cabeça deles. São esqueletos, são caveiras humanas! Estão dando risadas e soltando chamas  de fogo pela boca e pelo nariz. Suas motos também  vem pegando fogo, deixando um rastro de chamas pelo asfalto. A “lança-ponta” também está em chamas e sua ponta é de brasa.
     Não deu tempo para falar mais nada. Jhony foi atingido de cheio no peito pela “ponta-lança” que o transfixou, arrancando-o da grupa e ficando com ele pegando fogo e preso na vara. Oscar ainda atônito e sem nada entender, fez uma rápida manobra radical, voltando pra cima de seu  adversário. agora já sem o seu garupa. O estranho motoca e seu garupa também  voltaram dando altas e sonoras gargalhadas, soltando fogo por suas bocas e narinas, como se fossem dragões com suas motos incendiárias. Desta vez, o estranho garupa apontou e acertou sua “ponta-lança”  na cabeça de Oscar Willis, transfixando seu crânio e também exibindo-o dependurado na vara, onde permaneceu pegando fogo. A platéia em pânico tentava fugir daquele local, mas seus carros se chocavam. O tumulto se estabeleceu. Nesse cenário de carros que se chocavam, pegavam fogo, explodiam, gente que se pisoteava,  gritos de pavor, uma fumaça negra com forte odor de enxofre espalhou-se pelo ar.

PVH-RO, 13/08/14