GLADIADORES DO
ASFALTO
Samuel Castiel Jr.
Mesmo quem estivesse presente
naquele local não acreditava no que via. Motos de 1.200 cilindradas em alta
velocidade e em sentido contrário voavam uma de encontro a
outra. Os motoqueiros vestindo roupas pretas, capacetes e botas, traziam um
garupa igualmente vestido. Esse homem da garupa portava uma vara longa que
apontava para o motoqueiro que vinha em sentido contrario. O objetivo era
atingir e derrubar a dupla de motoqueiros adversários. Tinha muito a ver com os
esportes medievais japoneses, só que os “cavalos” eram de aço. Quando o
motoqueiro era atingido, era jogado a distância, a moto se desequilibrava, caía
e saía se arrastando pelo asfalto. Algumas se despedaçavam ou pegavam fogo,
explodindo em poucos minutos. Tudo isso aplaudido em delírios e gritos de uma
platéia que vibrava histérica. Feridos ou mortos eram retirados do local por
ambulâncias particulares, as quais tinham seus médicos e paramédicos. Ninguém
podia obstruir a pista, a não ser para retirar pedaços de motos ou de corpos.
As disputas eram seqüenciais, frenéticas. Mal uma dupla caía, já vinha outra
acelerando, até que toda uma bateria tivesse disputado.
Esse evento era clandestino, proibido
pela polícia e chamado de Os Gladiadores do Asfalto. Ocorria uma vez por ano em
um trecho vicinal da autopista BR-316, da Regis Bitencourt, na divisa do Paraná com Santa Catarina.
Oscar Willis tinha 19 anos, filho único de
pais abastados, era louro, atlético, e seu hoby era colecionar motos. Halley
Davis, Suzuki, Ducati, Honda, Yamaha, tinha motos de todas as marcas. Preferia
as de 1200 cilindradas, que eram as mais
possantes e que serviam para as competições. Jonhy Aroeira era seu amigo inseparável
e costumava competir sempre como garupa, pois era firme, agüentava os trancos e
manobras arriscadas, tinha uma boa
pontaria para derrubar seus adversários com a vara, conhecida entre eles com “lança-ponta”.
Naquele ano, a competição tinha tudo pra “bombar”, pois as redes sociais
estavam cheias de desafios, apostas encontros e convites. Segundo a organização,
que se mantinha sempre anônima, eram
esperadas naquele ano mais de cinco mil pessoas no local para assistir o grande
show dos Gladiadores do Asfalto.
Quando o sinal foi dado por
um disparo de pistola .40, os pneus cantaram no asfalto, e teve inicio a mais
arrojada competição do século XXI, onde os perdedores pagavam muito caro, as
vezes com a própria vida, como no histórico Coliseu de Roma antiga. Não havia
lugar para fracos ou perdedores. Varias baterias se enfrentaram. Algumas motos
caíram, pegaram fogo, motoqueiros caíram mortalmente feridos, tudo sob os
aplausos e gritos histéricos de uma platéia delirante. Faltava apenas a última
bateria, a mais esperada. Oscar Willis,
apesar e ter sofrido a perda de dois garupas ainda continuava no pareo, para a
grande disputa final. Quando os motoqueiros tomaram suas posições para a
largada, Oscar Willis foi advertido por seu garupa e amigo inseparável Jhony
que havia algo estranho naquela última bateria. O competidor que se postara
para a largada não era o conhecido Marley Cilindrada
que tinha conquistado sua posição com muita garra para a bateria final. Em seu
lugar estava posicionado um motoqueiro desconhecido e estranho, cujo rosto não
se deixava visualizar encoberto pelo
capacete com um visor fumê espelhado,
montado em uma moto cuja marca ou modelo eram desconhecidos de todos, porém transparecendo
ser máquina de alta potência. Seu garupa igualmente parecia enigmático, com o
rosto também coberto por um capacete igual ao do motoqueiro. O ronco do motor
dessa máquina também era estranho. E a sua fumaça era preta, tinha com um odor forte de
enxofre.
--Oscar, meu caro, olha esse motoca
que vai disputar essa última bateria com a gente. Você o conhece? Não lhe parece estranho?
--Não o conheço, mas deve ser
alguém de outro estado ou até mesmo do exterior. Esse esporte anda ganhando
adeptos em todo o mundo. Mas não se preocupe, meu velho, vamos derrubar os dois
e ganhar esse troféu. Esse ano nem Satanás vai
estragar a nossa festa. Seremos os novos campeões dos Gladiadores do Asfalto/14.
Não tenha medo, Jhony, vamos vencer!
--Mas... Oscar e essa fumaça com
odor de enxofre também não acha estranho?
--Deve ser algum maluco querendo
envenenar o motor da sua moto misturando
combustível e algum aditivo a base de enxofre, o que eu particularmente
não concordo, mas se o regulamento permite, nada podemos fazer. Volto a dizer,
fique “frio” e vamos ganhar fácil mais essa prova.
Nesse momento ouviu-se o disparo da
pistola .40, dando início a última competição daquela noite.
As motos roncaram seus motores e
partiram em alta velocidade, frente-a-frente em sentido contrário. Quando já
faltavam uns duzentos metros para o encontro final, o garupa Jhony falou pelo
microfone de capacete com seu piloto:
--Oscar, não falei pra você? Veja
só o que está acontecendo: o motoca e
seu garupa tiraram seus capacetes. Não são gente desse mundo, cara! Olha a
cabeça deles. São esqueletos, são caveiras humanas! Estão dando risadas e
soltando chamas de fogo pela boca e pelo
nariz. Suas motos também vem pegando
fogo, deixando um rastro de chamas pelo asfalto. A “lança-ponta” também está em
chamas e sua ponta é de brasa.
Não deu tempo para falar mais
nada. Jhony foi atingido de cheio no peito pela “ponta-lança” que o transfixou,
arrancando-o da grupa e ficando com ele pegando fogo e preso na vara. Oscar
ainda atônito e sem nada entender, fez uma rápida manobra radical, voltando pra
cima de seu adversário. agora já sem o
seu garupa. O estranho motoca e seu garupa também voltaram dando altas e sonoras gargalhadas,
soltando fogo por suas bocas e narinas, como se fossem dragões com suas motos incendiárias. Desta vez,
o estranho garupa apontou e acertou sua “ponta-lança” na cabeça de Oscar Willis, transfixando seu crânio e
também exibindo-o dependurado na vara, onde permaneceu pegando fogo. A platéia
em pânico tentava fugir daquele local, mas seus carros se chocavam. O tumulto
se estabeleceu. Nesse cenário de carros que se chocavam, pegavam fogo, explodiam, gente que se
pisoteava, gritos de pavor, uma fumaça
negra com forte odor de enxofre espalhou-se pelo ar.
PVH-RO,
13/08/14