O QUIABO
Samuel
Castiel Jr.
O quiabeiro ( Albemoschus esculentus)
é uma planta da família malva ( Malvaceae, de origem africana. Seu fruto é
conhecido como quiabo, guingombô, gombô, etc. É uma cápsula fibrosa cônica,
verde e peluda, cheia de sementes brancas, redondas, muito usado em culinária
antes da maturação quando endurecem. Suas folhas são lobadas e as flores
axilares, ou seja, brotam a partir das gemas axilares. Muito usado em pratos típicos como o
caruru, quiabada, etc, bem como também tem propriedades medicinais no combate a
diabetes, úlcera gástrica, intestino preso, é anticancerígeno, suaviza as
queimaduras e abranda a psoríase, dentre tantas outras coisas interessantes e milagrosas da
medicina alternativa, devido as suas
propriedades oxidantes e sua riqueza em vitaminas A, B e C. Algumas dessas propriedades medicinais,
segundo alguns estudiosos, estão relacionadas a uma gosma extremamente lisa e
grossa que é expelida pelo quiabo quando ele é esmagado, cortado ou fervido e
cozinhado.
Mas o nosso personagem Angelino,
ganhou o apelido Quiabo desde sua tenra infância, quando no colégio seus colegas tinham que pagar o seu
lanche, pois andava sempre “liso”, ou seja sem nenhum tostão. Parecia até que
seus bolsos eram furados, pois não traziam nenhuma moeda sequer. Quando
terminavam as aulas do colégio, voltava pra casa a pé ou pegava carona de algum
colega que morasse mais ou menos perto da sua casa. Sempre foi assim. No início
ficava bravo quando o chamavam de quiabo, chegando mesmo até a brigar na rua.
Mas aos poucos foi aceitando a alcunha. Era Quiabo pra cá, Quiabo pra lá e
assim ficou conhecido. Quando algum amigo novo perguntava porque o apelido de
quiabo, dizia que era porque gostava e era fissurado por comidas típicas que continham essa fruta gosmenta.
---Não tem
comida mais saborosa que um caruru preparado por quem sabe fazer! –dizia o Angelino
quando alguém tentava constrange-lo chamando-o de Quiabo. Vivia de uma
aposentadoria que mal dava para sua sobrevivência. Mas não se deixava abater.
Era boêmio nato e estava sempre nas melhores rodas de pagode e como de
costume, esperando que algum amigo
pagasse um trago.
--Bebo bem
e tenho sorte, dizia o Quiabo. Bastava que alguém pagasse uma dose de pinga
para que ele ficasse logo alegre. Tinha também a mania de tocar um cavaquinho
fantasma, pois fazia apenas os gestos como se fosse um grande cavaquinhista,
tocando um instrumento que só ele via e ouvia. Certa vez engraçou-se de uma
procuradora negra que freqüentava o recinto festeiro e lá pelas tantas começou
a tocar seu cavaquinho e a olhar pra mulata com cara de pidão. Bastava que ela
se descuidasse e olhasse para em outra direção que o Quiabo imediatamente
tocava seu cavaquinho fantasma:
--Neguinha
tu tens que ser minha de qualquer maneira!... etc.
Bastava que ela voltasse seu olhar em
sua direção para que ele rapidamente parasse de tocar aquele cavaco imaginário
e tomasse uma atitude insuspeita. Mas, alguém avisou a
procuradora que o Quiabo estava com graça pra ela. Até que ela simulou e pegou o Quiabo tocando seu cavaco imaginário e
cantando: “Neguinha tu tens que ser minha de qualquer maneira...” Brincalhona,
a procuradora se levantou, foi até a mesa do Quiabo e pediu:
--Vi o
senhor tocando e cantando um samba que eu gosto muito. Pode cantar para mim?
O Quiabo quase se derreteu. Ficou
pálido, sem graça e disse:
--É só de
brincaderinha!...
Mesmo assim ela ainda pagou uns
tragos para ele. Mas, o Quiabo era sempre assim, tinha o espírito cheio de
alegria, mesmo que seus bolsos sempre estivessem vazios.
Na vida amorosa, cultivava um amor
platônico pela Maria BTL, mulher morena, bem dotada, carinhosa e de quadris largos. Sempre que estava bebendo suas pingas, lembrava-se dela, apesar
do tempo que já ia longe, quando costumava levá-la
para os “banhos” ( pegando carona dela mesma, é claro! ) principalmente ao
balneário chamado Torre, onde ficava a sós com aquela morena voluptuosa,
banhando-a e ensaboando-a com sabonete “Lifeboy”nas águas correntes do igarapé.
Certo dia lá estava o Quiabo sentado em uma rodada de bons bebedores quando
alguém sugeriu ir para um boteco que a Maria BTL tinha inaugurado lá pras
bandas do bairro Tucumanzal. Segundo informações, a cerveja lá era
estupidamente gelada e o tira-gosto de peixe bem crocante, irresistível. Mas
havia um problema: a Maria só abria o seu boteco a noite e era pleno sábado a
tarde com um sol causticante. Foi aí que apareceu a figura do Quiabo, dizendo:
--Pode
deixar, meu caro! Lá no bar da Maria BTL quem tem moral sou eu. Afinal, foi meu
antigo xodó.
Não foi preciso botar mais pilha no
Quiabo. Pegou o telefone e discou. Afastou-se um pouco pra falar e quando
voltou foi logo dizendo:
--Tá tudo
resolvido. Ela vai abrir o boteco pra mim e ainda vai preparar bons
tira-gostos. Quantos de vocês querem me acompanhar? É claro que vão ter que me pagar
alguns tragos, pois afinal consegui que
a BTL abrisse nos aceitasse no seu boteco a essa hora.
Alguns amigos seguiram o Quiabo,
rumo ao boteco da Maria BTL. E realmente todos foram bem recebidos. Cerveja
gelada, bom tira-gosto e um bom violão fizeram daquele ambiente um oásis
naquela tarde quente e ensolarada de Porto Velho. O Quiabo depois de vários
tragos, ficou embriagado, mas não esquecia o refrão:
--Bebo bem
e tenho sorte!
A
noite chegou e as primeiras luzes da cidade começaram a se acender. Uma
lua dourada apareceu no céu, trazendo mais inspiração ao violeiro Julinho, que
cantava e tocava grandes sucessos da MPB e da boemia. Foi quando o Quiabo
começou a ficar impaciente, dizendo que já era hora de ir embora, pois sua
mulher virava onça quando ele chegava tarde da noite. Depois de muita
insistência, o Quiabo pediu pra fechar a conta, mas houve protesto de todos.
Após uma votação sumária, foi decidido chamar um taxi e mandar o Quiabo pra sua
casa. A conta da mesa festeira foi
fechada parcialmente, e quando a Maria BTL mostrou a conta para o já embriagado
Quiabo, ele fez menção de meter a mão no bolso como se fosse pegar um dinheiro
que não existia. Foi quando o Julinho do violão parou de tocar, deu um
solavanco e puxou o braço do Quiabo, dizendo:
--Para de
graça, Quiabo! Sabemos que você não costuma andar com dinheiro. Vou pagar essa
conta parcial e depois reabrimos outra conta, OK?
Meteu a mão no bolso de sua
jaqueta, de onde tirou um talão de
cheque de cinquenta folhas. Quando se preparava para preencher o cheque, a
Maria BTL esticou o pescoço por cima da cabeça do Quiabo, olhando aquele grosso talão de cheques, parecendo
o pescoço uma garça quando avista o peixe da sua desejada refeição. Alguém veio correndo informar que o
taxi chamado havia chegado. O Quiabo já
embriagado foi conduzido ao taxi e o Julinho do Violão deu o endereço do Quiabo
para o motorista. Quando abriu a porta do taxi, junto com a Maria BTL,
empurraram o Quiabo para o banco de trás. O motorista ainda advertiu:
--Cuidado
com o ancião! Ele pode se machucar.
Cinco horas da manhã, naquele
silêncio do novo dia que chega, após uma noite com a fogosa Maria BTL, sozinho,
o Julinho do violão ainda dedilhava as cordas de seu instrumento cantando:
--Acorda
Maria Bonita, Acorda vem fazer café, Que o dia já vem raiando....
E por aí vão muitas estórias e
lambanças do Quiabo. Até que certo dia, ele chamou seu melhor amigo Roque e
confessou:
--Não quero
mais ser chamado de Quiabo.
--Então só
tem um jeito, meu velho –disse-lhe o Roque. Você ganha sozinho na Mega-Sena, fica rico,
cheio da grana e tudo estará resolvido. Caso contrário, e ainda com muita
resistência, você poderá ser chamado de liso. KkKk -- Roque deu aquela gargalhada e foi-se embora.
Nota do Autor: Qualquer semelhança com fatos e personagens deste
conto terá sido mera coincidência
PVH-RO. 04/09/14