terça-feira, 2 de dezembro de 2014

INCÊNDIO NO CUNIÃ

INCÊNDIO NO CUNIÃ

Samuel Castiel Jr.









          





           
             
             (  Macacos me mordam, mas nunca fumem!...)


        
Ele sempre foi um "bon-vivant". Filhinho de papai, carrão importado, nunca se formou em nada, apesar de estar sempre matriculado em alguma faculdade. Freqüentava as melhores casas da noite carioca. Viciado em maconha, ecstasy e cocaína. O crack não o atraia, pois tinha medo do seu efeito deletério no cérebro. Sempre teve um porte físico atraente, era alto e musculoso. Freqüentava academias quando não estava em crises de depressão. Seus pais abastados viviam criticando sua maneira irresponsável de viver.
        Certa noite, Marcelão, curtia uma balada na boate 021, depois de já ter passado em mais umas 3 na Lapa quando se deparou com Julieta, mais conhecida por Ju. Cruzaram olhares e logo se identificaram. Tinham tudo a ver  um o outro! Ela também era
"patricinha"filhinha de papai, geneticamente rica por herança, nunca trabalhara e nunca quis nada com os estudos. Freqüentou algumas faculdades mas não se formou em nada. Beberam alguns whiskys a mais e foram para o apartamento do Marcelão no Leblon, onde puderam se conhecer mais profundamente!...Ju estava encantada com aquele homem, rico, bon vivant e que sabia aproveitar as coisas boas da vida. Como ela, sua filosofia de vida era viver a vida mesmo que fosse na corda bamba, linha divisória entre o bom viver dos abastados e o imensurável abismo das drogas. Marcelão também achou  a Ju muito interessante. Principalmente quando soube que ela era rica, que vivia de renda e que seu pai deixou para ela inúmeros imóveis e até mesmo prédios na capital de Rondônia, Porto Velho. Ficou também muito interessado nas terras que Ju lhe disse possuir, cerca de 50 hectares, na Reserva Extrativista do Cuniã,  nos arredores de Porto Velho. A reserva toda era imensa, com  uma extensão de cerca de 55.850 hectares, a margem esquerda do rio Madeira, no sentido de Humaitá. Lá a Ju explicou-lhe com detalhes seu projeto de piscicultura, onde mantinha tanques naturais para a criação do pirarucu, tido como peixe nobre para exportação para os Estados Unidos e Europa. Vários tanques foram criados dentro do próprio lago do Cuniã, com cercagem especial de nylon. Ali os peixes eram colocados como alevinos, alimentados com Tilápias e ração especial para crescimento e, em cerca de 3 anos, já podiam ser abatidos para exportação. Os contratos seriam fechados com grandes frigoríficos internacionais, com pagamento certo em dólar e euro. Tudo parecia muito atraente para o Marcelão, principalmente porque ele não iria precisar meter a mão na massa. Um bom gerente e alguns colaboradores resolveriam todos os problemas. Além do mais, poderia mostrar aos seus pais que não era aquela pessoa inerte que eles sempre acharam que fosse! Aceitou quase de imediato a proposta de Ju, de ir com ela para gerenciar seus negócios e seus tanques de pirarucu. Poderia sair daquela selva- de- pedra, respirar o ar puro da floresta, comer peixes saldáveis das águas doces do Cuniã. Sabia também que teria que viver e desfilar com a Ju em todas as baladas. Mas, pensando bem entre a vida vazia e monótona que levava e naquela vida cheia de aventuras que lhe acenava, resolveu encarar:
-- Minha doce Ju, você acabou de arrumar um companheiro e um gerentão para os seus negócios! Vamos ser os maiores exportadores desse pirarucu.
            Viajaram em lua-de-mel, primeiro para Miami, voltaram por São Paulo e finalmente chegaram a Porto Velho.  As terras de Ju eram extensas e privilegiadas, a margem do lago Cuniã. A reserva era lindíssima, extremamente bem cuidada e vigiada, ficando a cerca de 130 km de Porto Velho. Ali se reproduziam milhares de espécies, vegetais e animais. Revoadas de araras coloridas, papagaios e curicas passavam em bandos mal o dia começava a clarear. Borboletas multicoloridas formavam como se fosse um tapete nas areias brancas das praias que se formavam quando as águas baixavam. Macacos diversos desciam das árvores e vinham  buscar comida nas cozinhas e até mesmo nas mãos de quem lhes oferecesse.  A noite, o canto de pássaros noturnos misturava-se com ruídos longínquos de onças e outros felinos. Era um verdadeiro paraíso no meio da selva tropical. A casa de Ju era uma verdadeira mansão, porém obedecendo aos padrões da reserva, ou seja construída em madeira e coberta de palha artesanalmente trançada. Os cômodos eram de luxo, climatizados, com iluminação indireta, TV LED, HD FULL, Multimídia, DVD Play, som com Home Theater, frigobar, espelhos nas paredes, etc. No hall uma grande piscina, com deck, um bar muito iluminado e com uma variedade incrível de bebidas. Marcelão gostava mesmo era de atar sua rede na varanda do hall, onde ficava a se embalar por horas até o sono chegar. Quando a Ju vinha da cidade para dormir com ele, os dois ficavam a se embalar na rede, tomando whiskys importados e fumando charutos cubanos. Nas noites de lua cheia, apagavam todas as lâmpadas e deixavam que uma réstia de luz prateada viesse iluminar aquela rede onde se amavam até que o clarão  do raiar de um  novo dia os surpreendesse sonolentos! Amaram-se assim por alguns meses, até que Marcelão e Ju andaram se desentendendo. Marcelão além de não gostar de trabalhar, estava  sentindo-se cansado de tudo. Bebia demais, fumava também demais. Voltou a usar drogas, porém usava todas as noites a maconha, que era mais fácil de  comprar. Deitava-se naquela rede, tomava uns whiskys e acendia um charuto que não era mais cubano e sim um tarugo de maconha. Certa noite de sexta-feira, sentindo-se deprimido, Marcelão estirou-se na rede, colocou uns três tarugos de maconha na mesinha de cabeceira, próximo a rede, serviu uma dose dupla de whisky com bastante gelo e embalou-se maciamente algumas vezes na rede até que adormeceu. Alguns macacos pregos e barrigudos  haviam entrado sorrateiramente na mansão e se alojado sobre os caibros de madeira, próximos a cobertura de palha, onde eram praticamente invisíveis para o Marcelão. Esses macacos já estavam acostumados a entrar e dormir ali todas as noites, saindo bem cedo para comer frutas e folhas das arvores. Estavam também acostumados a assistir o Marcelão beber whisky, acender e fumar seus tarugos de maconha.  Nessa noite o macaco-chefe do bando, foi mais ousado: desceu, aproximou-se da escrivaninha perto da rede do Marcelão, pegou um tarugo de maconha e a caixa grande de fósforos. A seguir subiu novamente para os caibros da cobertura, colocou o tarugo na boca e, imitando o Marcelão, riscou o fósforo tentando acender o tarugo de maconha, mas como não conseguia, levantou o braço com o fósforo aceso, tocando na palha seca da cobertura. O fogo pegou de imediato, pois a palha estava muito seca pelo sol abrasador daquele verão. Não deu tempo para mais nada. Os macacos fugiram rapidamente, o Marcelão quase morreu intoxicado pela fumaça, não deu pra salvar nada. Quando os bombeiros chegaram só encontraram as cinzas na mansão da Ju. O fogo destruiu ainda mais de cem hectares de floresta da reserva, com um prejuízo incalculável da flora e fauna do reservatório. O incêndio durou quase uma semana para ser controlado, mesmo usando todos os recursos disponíveis, inclusive helicópteros da força aérea.
         Marcelão voltou para o Rio. Depois de alguns dias deixou uma mensagem de voz na caixa da Ju:
--Espero que me perdoe, Ju. Juro que foi um acidente, até agora não sei como aquele incêndio começou. Mas independente de tudo que aconteceu, quero dizer a você que eu já havia chegado a conclusão que não tinha mesmo nenhuma aptidão para seus tanques de pirarucu.
          Os contratos com os frigoríficos internacionais não foram cumpridos, gerando multas que tornaram insolventes os negócios da Ju.

Nota do Autor: O presente conto é baseado em fato real ocorrido naquela reserva. Os personagens entretanto são fictícios e qualquer semelhança terá sido mera coincidência.


PVH-RO., 1º/12/14