quinta-feira, 15 de janeiro de 2015

TRÁFICO NA FRONTEIRA
  
Samuel Castiel Jr.











         A tarde ia findando. Martinho Ferry e sua esposa Valeria, como faziam todos os dias, pegaram suas cadeiras de palhinha e as puseram na calçada de sua casa. Ele com 78 e ela com 65 anos, casados a 35 anos, data que lhes parecia tão próxima. Ali sentados, ficavam conversando, com a brisa suave do final da tarde soprando em seus rostos. Nesse dia Valeria havia preparado um suco natural de tamarino que pusera numa jarra com bastante gelo e os dois ali estavam sentindo aquela brisa do crepúsculo ao sabor de tamarino. Valeria adorava aquelas árvores de tamarino, que ela mesma plantara em frente a sua casa, e que produziam frutos tão deliciosos, além da sombra refrescante e convidativa que propiciavam. Conversando viam aparecer no céu as primeiras estrelas e depois a lua.

     Pablo Benites montava uma Honda 1.200 cilindradas, viajava em alta velocidade. Suas vestes escuras e o capacete, faziam-no parecer a figura de uma vespa em movimento. Vinha de Santa Cruz – Bolívia em direção a Guajará Mirim – Brasil. Reduziu a velocidade ao se aproximar da casa dos anciões. Não tiveram ação para nada: o motoqueiro sem dizer uma palavra, sacou uma metralhadora USI e metralhou os dois que ficaram caídos no chão envoltos por uma escura mancha de sangue, que se misturava com os pedaços de vidro da jarra de suco. O cheiro de tamarino e sangue espalhou-se pelo ar.

           Gilbert Volmann, fumava um charuto no hall de sua mansão em Miami Beach, sorvendo uma dose de Royal Salute, na pérgola de sua piscina olímpica, quando vibrou seu celular:
 --Serviço executado, Chefe. 
--Ok, desligo.
           Soltou uma baforada do Monte Cristo cubano e pensou:
 --Gostaria de ver a cara daquele filhinho de papai, pra não dizer filho da puta, quando souber o que aconteceu com seus velhinhos e queridinhos pais!... 
           Gilbert Volmann era um homenzarrão, de origem germânica. Seus pais e avós eram alemães e racistas. Alex Ferry agente da Policia Federal, tinha acabado de comandar uma operação que conseguiu apreender uma gigantesca carga de entorpecentes que, saindo da Bolívia, passando pelo Brasil, na fronteira em Guajará Mirim, conhecida rota de tráfico de entorpecente, seguiria pra S.Paulo e finalmente chegaria aos Estados Unidos e também a Europa. A carga toda chegava quase a 3 toneladas e estava acondicionada em varões e outras estruturas tubulares de bicicletas. Essa operação representou um forte golpe no tráfico internacional de drogas entorpecentes, e cujo chefão era o temível e todo poderoso Gilbert Volmann e que, ao saber que sua "mercadoria" tinha sido apreendida na fronteira brasileira, ainda tentou através de seus tentáculos, corromper o agente brasileiro Alex Ferry. O telefonema que Alex recebeu foi curto e grosso:

 --O chefão soube que você está no comando dessa operação e oferece um milhão de reais para que deixe essa "mercadoria" seguir   em frente até seu destino.

 --Pois diga ao seu chefão que enfie esse dinheiro no seu traseiro! Diga-lhe também que brevemente o FBI vai colocá-lo atrás das grades.
 --Se eu fosse você não faria isso, rapaz, pois o chefão não gosta de ser contrariado...e pode tomar a sua recusa como uma ofensa.

 --Diga a ele que sua casa começou a cair! Já estamos no seu encalço. Brevemente ele vai ver o sol nascer quadrado!
               Desligou.
               Aquela operação realmente desbaratou uma quadrilha de perigosos traficantes e que tinha como chefão o temível Gilbert Volmann. Seis meses depois, um outro carregamento de cocaína e ecstasy foi remetido e chegou com êxito na Europa. Gilbert Volmann programou uma grande comemoração, em sua mansão no   elegante bairro de Sunny Isles em Miami Beat. Aproveitou o casamento de sua filha mais nova, Susan, para fazer uma grandiosa festa. Contratou o melhor Bufett, a melhor banda, cantores de rock e country. Convidou também mágicos famosos e vocais que iriam entoar canções e hinos durante o cerimonial do casamento. As festas promovidas por Gilbert Volmann costumavam durar nunca menos de três dias, com abundância de bebidas, comidas e também muitas mulheres bonitas e famosas, dando sempre ao evento um glamour cinematográfico. A festa começou em grande estilo com queima de fogos e o casamento de sua única filha caçula Susan foi recheado de grandes emoções. A cerimônia foi celebrada por Dom Angelus, o conhecido e popular bispo de Miami. Mas também houve a participação de pastores evangélicos e líderes religiosos de   outros credos. Gilbert Volmann queria agradar a todos. Não queria que alguém saísse falando mal ou insatisfeito de sua festa. Cantores pops como J'BIEBS, Ricky Martin, Shakira e Enrique Iglesias, além de várias bandas se alternaram num palco decorado e muito iluminado com lâmpadas multicoloridas. Havia um glamour em cada detalhe. Um perfume suave campestre foi borrifado na grama e no entorno do grande palco para tornar e o evento ainda mais agradável. Tudo impecável. As comidas eram servidas por um Buffet luxuoso do Monasterio Bay, cujo chef e garçons impecavelmente vestidos serviam ágapes a base caviar, salmão e vitela de cordeiro flambada numa mistura de conhaques e champagnes. As bebidas eram variadas, em destaques os whiskys escoceses e americanos, tipo Royal Salute, The Glenlivet, Black e Blue Label, etc, todos porém com envelhecimento de 21 anos, é claro! As festas de Gilbert Volmann sempre foram glamurosas.

          Na madrugada do segundo dia dessa ruidosa festa, um caminhão furgão estacionou na porta dos fundos da mansão de Gilbert. Em grandes letras lia-se: Buffet Monasterio Bay. Seu motorista desceu e se dirigiu a guarita onde 3 seguranças fortemente armados com metralhadoras portáteis e fuzis esperavam curiosos.

 --Pare e se identifique. Caso contrário abriremos fogo.

 --Calma senhores, falou num inglês arrastado com sotaque latino --venho em paz e estou fazendo apenas o meu serviço. Meu chefe ligou pedindo reforço de canapés, vitelas de cordeiro e mais whiskys. Esse povo come e bebe pra valer!...

 --Just a moment, Guy. Vou falar com o Chef e checar sua informação.

--Ok.

                  Alex Ferry vestia um macacão folgado, bege com a logomarca do Buffet Monasterio Bay. Um boné enfiado em sua cabeça e uns óculos com armação amarela completavam seu disfarce e lhe davam um aspecto mais jovial, um rapaz de classe trabalhadora, talvez um imigrante hispânico. O segurança era um colossal galego, louro e muito alto. Falou no interfone e pediu pra falar com o Chef enquanto os outros cercavam o furgão de Alex empunhando suas metralhadoras e fuzis.

--O Chef Antonny não está na cozinha--respondeu uma voz afeminada.Foi atender pessoalmente ao chamado de Mr. Gilbert. Mas em que posso servi lo?

--Chegou aqui na portaria um furgão trazendo reforço de comida e bebidas. Só quero checar.

--Não tô sabendo... mas do jeito que essa multidão come e bebe é possível que o Chef tenha se antecipado pra não pedir reforço depois que as comidas e bebidas se acabarem. Tenha um pouco de paciência e já retorno e satisfaço a sua interrogação.

 O segurança voltou e dirigiu-se ao Alex com mal humor:

--Você vai ter que esperar meu rapaz! O Chef não está a postos. Foi   atender pessoalmente ao Mr. Gilbert. Entre no seu caminhão e aguarde.

          Alex não discutiu. Subiu no estribo do furgão e jogou-se na poltrona almofada do motorista. Depois de esperar aproximadamente uns quarenta minutos sem que nada acontecesse, desceu novamente do furgão e dirigiu-se a guarita.

--Olha aqui gente, eu acho que esse negócio tá demorando muito e as coisas aí dentro são perecíveis, as comidas vão acabar se estragando. Além do mais tenho muitas coisas a fazer lá no restaurante, onde ganho polpudas gorjetas como garçon. Estou aqui praticamente de favor! Venho atender ao chamado do Chef e acabo tendo que ficar aqui esperando não sei o que!... Vou lhe dizer uma coisa seu segurança: mais cinco minutos aqui dou meia volta no furgão e volto pro restaurante.

           O segurança resmungou alguma coisa e pegou novamente o telefone: --Shet! Agora nem chama. Vamos fazer o seguinte cara: você entra com esse maldito furgão, descarrega essa droga na cozinha e volta imediatamente. Vou lhe dar meia hora no máximo. Caso contrário eu mesmo vou lá dentro e trago você na porrada. Entendeu?

--Ok. Prometo que volto já, pois o interesse de acabar com isso mais rápido é só meu.

            Os portões e abriram e o furgão entrou no entorno da mansão. Alex dirigiu seu furgão para os fundos da mansão. Ia pensando em todos os detalhes de seu plano. Estacionar seu carro junto aos demais furgões com os letreiros do Buffet Monastério Bay. Precisava misturar-se com os garçons e cozinheiros. Sabia de todos os hábitos de Gilbert Volmann, mas principalmente aquele que mais lhe interessava: só utilizava seu próprio banheiro, ou seja, do seu próprio quarto, pois era portador de Nosofobia, ou seja tinha neurose por limpeza e pavor de bactérias ou de adoecer. Lavava suas mãos três ou mais vezes quando saia do vaso sanitário, sempre usando alcool-gel Alex entrou na carroceira do seu furgão, já estacionado no meio dos demais caminhões,  trocou suas roupas. Era mais um garcon a servir aos convidados de Gilbert Volmann. Checou o estoque de Guttalax que trazia nos seus bolsos. Pendurou sua pistola 9 mm, com silenciador num coldre axilar. Agora só restava juntar-se aos mais de 100 garçons e inúmeros cozinheiros. Aproximou-se do Chef Antonny o suficiente para ouvi-lo ordenar a um garçon que levasse mais canapés e bebidas para o camarim de Mr. Gilbert. Imediatamente Alex seguiu o garçon e se ofereceu:

--Posso ajudar? Ouvi o Chef Antonny lhe passar essa missão. Sei que Mr.Gilbert é apressado e nós dois poderemos levar seus comes-e-bebes mais rápidos.

 --Ok. Mãos a obra então. Pegue os canapés de caviar e eu levo os champagnes e whiskys.

               Era o que Alex esperava. Aproximou-se das bandejas de guloseimas, e marcou uma das bandejas com um pedacinho inexpressivo de adesivo. A seguir tirou de seu bolso uma embalagem de Gutalax e derramou toda sobre os canapés de caviar. Depois repetiu a operação mais umas três ou quatro vezes. O Gutalax liquido  tinha a vantagem de ser inodoro. Não seria percebido, tinha certeza. A seguir chamou seu parceiro garçon:

--Vamos nos apressar, Will. O chefão já deve estar esbravejando!...

--Ok, boy, vamos lá!

          A cena era digna do filme "Mil e uma Noites"--pensou o agente. O camarim de Gilbert todo decorado com pufs coloridos, tapetes persas, com iluminação indireta, fechado com vidros fumê e climatizado. Sentado, como se fora um pachá, em uma grande poltrona, usando óculos escuros, Gilbert Volmann recebia carinhos e afagos de duas belas louras de seios fartos, que pareciam querer saltar de suas roupas. A fumaça do charuto Havana de Gilbert impestava o ambiente. Quando nos viu entrar vociferou:

 --Malditos garçons! Faz quase uma hora que pedi reforço ao Chef e só agora vocês aparecem?! --É que...

 --Shut up! --Sirvam primeiro essas duas lindas bonecas! Ou não aprenderam bons modos?

       O agente teve o cuidado de virar a bandeja marcada com o adesivo, servindo a elas o caviar isento do Guttalax. A seguir postou toda a bandeja-bomba a frente do chefão. Gilbert era um homem guloso. Comia muito e estava muito acima de seu pêso. Alex sabia que teria no máximo uns vinte minutos para agir. Saiu da cozinha e entrou nos grandes salões da mansão. Precisava encontrar rapidamente o quarto do chefão. Havia um luxo em todos os detalhes, porém com muito espalhafato. Sem dúvida alguma Gilbert era além de mafioso, traficante e contrabandista, dotado também de um péssimo gosto. Literalmente, um deslumbrado "Young Rich"(novo rico). Subiu uma escadaria curva, estilizada, contruída em aço escovado, com os detalhes e corrimãos em uma liga de ouro. Não foi difícil achar os aposentos de Gilbert pois duas arrumadeiras quase o surpreenderam ao deixarem o quarto de Gilbert comentando:

--Ainda bem que o festão já vai pro seu último dia! Que trabalheira, heim?!

 --É. E o chefe só reclama! Esse seu quarto fica um chiqueiro de sujeira quando ele traz pra cá essas piriguetes. Até as cortinas estão   impregnadas desse maldito charuto!

            O agente rapidamente se escondeu na reentrança da parede. Esperou as duas camareiras se afastarem e dirigiu-se para o quarto do chefão. Não teve dificuldade de abrir a porta com sua gazua. As camareiras tinham razão: uma suntuosa cama com um espaldar alto, entalhado em madeira nobre, onde estavam esculpidas figuras da mitologia grega, como A deusa do amor Afrodite e o todo poderoso Zeus, o deus da Guerra. Mas, o odor de tabaco cubano estava impregnado no ambiente. Um enorme closet separava o dois ambientes. O banheiro muito espaçoso, revestido por grandes espelhos e iluminação indireta, saindo de sancas de gesso. O lavatório tinha uma grande cuba de marfim e a torneira central estilizada imitando o pescoço de um ganso, era de ouro, ladeada de outras duas menores, com canoplas e componentes também em ouro maciço. A banheira era em marfim com duchas laterais para hidromassagem. A temperatura da água era regulada por controles digitais. Tudo era um luxo! O exagero porém de alguns detalhes era da figura excêntrica de um novo-rico! Alex espantou-se com o barulho da chave abrindo a porta do quarto. Rapidamente escondeu-se num dos muitos guarda-roupas do closet. Gilbert entrou quase correndo e passou direto para o vaso sanitário.Sabia que o efeito do Guttalax era rápido, mas não tanto. Essa composição do Guttalax ou seja: pisicossulfatosódico a 7,5 mg, com excipiente metilparabenzeno e sorbitol a 70%, associado a água desionizada nunca falhara, principalmente na superdosagem que usara. Não deu tempo de tirar sua calça, apenas afrouxou o cinto e a baixou. O efeito purgativo do dulcolax foi fatal. E pelos gemidos ele estava com muitas cólicas. O agente ainda esperou alguns minutos até sair do guarda-roupa. Empunhando sua pistola com silenciador entrou no banheiro. Gilbert esboçou levantar-se do vaso mas o disparo da pistola o impediu, acertando seu ombro e o atirando para trás.

 --Quem é você, maldito! E o que quer de mim?

--Isso você vai já saber, seu porco imundo! Aproximou-se, pegou o   chefão baleado pelos cabelos e olhando bem dentro de seus olhos, disse quase sussurrando no seu ouvido:

 --Sou Alex Ferry, agente da Policia Federal do Brasil. Órfão de meus pais porque você mandou matá-los seu canalha! Vim para vingá-los e livrar o mundo de um verme como você! Os olhos de Gilbert se arregalaram quando a faca do agente penetrou seu abdome ao nível do umbigo decepando sua aorta. O sangue esguichou enquanto o agente o arrastou para a banheira luxuosa, jogando-o para dentro e abrindo as torneiras. A água começou a subir na banheira, mesclada de sangue. O agente Alex saiu rapidamente dos aposentos de Gilbert, trancando antes a porta pesada do quarto. Desceu a escadaria quase correndo, quando ouviu vozes no corredor. Eram as loiras de peitos fartos Estavam embriagadas e chamavam por Guil. Alex esgueirou-se escondendo-se das loiras e entrou no quarto destinado aos garçons. Rapidamente trocou sua roupa sujas de sangue pelo macacão do Buffet Monasterio Bay. Colocou sua roupa suja na mochila, seus óculos de armação amarela, enfiou o boné em sua cabeça e saiu correndo para o furgão. Ao chegar na guarita, o segurança mostrengo apontou sua metralhadora para ele e falou mal humorado:

 --Alto aí meu caro! Mais dois minutos e eu já iria trazer você no ponta-pé, entendeu?

 --Calma aí meu amigo! Eu já voltei, cumpri a minha missão e estou caindo fora. Se bem que eu gostaria mesmo era de aproveitar um pouco mais essa festança.

 --Get out! ( cai fora ) antes que eu me arrependa.

         Alex dirigiu seu furgão para o aeroporto de Miami. Os painéis com letreiros de embarque anunciavam que o chek in de seu vôo estava se encerrando. Correu para a sala de embarque e foi o ultimo passageiro a entrar na aeronave. Nas alturas, o agente Alex declinou sua poltrona e pensou: --Certos vermes tem que ser eliminados para que se interrompa o seu ciclo de morte! Só acordou quando a comissária anunciou: --Senhores passageiros queiram voltar suas patronas para a posição normal. Dentro de poucos minutos pousaremos no aeroporto internacional Brigadeiro Eduardo Gomes,em Manaus. Alex pegou a.noite uma conexão para Porto Velho, e no mesmo dia seguiu para Guajará-Mirim, onde deveria fazer mais um plantão na sede da Policia Federal naquela fronteira que já era considerada uma das mais importantes rotas do tráfico internacional de entorpecentes.




 PVH-RO, 9/1/15

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