quarta-feira, 10 de junho de 2015

QUEM MATOU A ENFERMEIRA?

QUEM MATOU A ENFERMEIRA?

Samuel Castiel Jr.














          As instalações eram antigas, como em todas as Santas Casas deste País. Enfermarias instaladas ou improvisadas em porões, no subsolo. Ambiente úmido, malcheiroso. Ratos furtivos passeavam nas áreas externas ou até mesmo nos corredores. Médicos, enfermeiras,  técnicos, estagiários e Residentes transitavam nesses labirintos parecendo verdadeiros robôs. Com uma prancheta nas mãos, seguido de vários Estagiários e Residentes, o Dr. Estevão seguia parando nos leitos, fazendo a visita médica de rotina e acompanhando a evolução de cada paciente. Fazia anotações, perguntava como os pacientes estavam evoluindo, questionava os estagiários e Residentes sobre essa ou aquela patologia.
__ Residente Saul, este paciente tem um quadro de icterícia. Quais exames laboratoriais que vão  lhe dar indicativos se essa icterícia é obstrutiva ou não?
__ A dosagem das bilirrubinas, TGO e TGP.
__ Muito bem. Vamos em frente.
       E assim, de leito em leito aquela visita matinal prosseguia.
__Dr. Estevão, temos um paciente psiquiátrico, amarrado no leito 13. Porque ele não está na enfermaria de psiquiatria? Ele está agitado e representa um risco a todos nós e aos  demais pacientes.
__É verdade Antônio. Acontece que a enfermaria da psiquiatria como sempre está lotada. E esse paciente não pode esperar. Tem agitação psicomotora, precisa ser contido no leito como você está vendo. Está recebendo uma dose grande de drogas   controladas e mesmo assim,quando cessam os efeitos, ele se agita, fica violento. Tem um diagnóstico de psicose maníaco-depresssiva ( PMD ). Possivelmente uma esquizofrenia herbefrênica  associada. Vamos em frente.
      Aquela enfermaria possuía 50 leitos que eram destinados a Clinica Médica. Dentre os estagiários e Residentes, como sempre, havia os interessados e os desinteressados, aqueles que estão sempre de mal humor, zangados consigo mesmo e com o mundo. Até parece que estão fazendo favor em apreender sôbre a nobre arte de curar. Átila era um desses Residentes desinteressados. Chegou até ao 5º ano aos troncos e barrancos, colando provas e parasitando trabalhos de colegas competentes.
__Átila, este paciente tem suspeita de um tumor cerebral. Diga-me o que faria caso ele tenha uma crise de convulsões reentrantes?
__Dr. Estevão, corro e chamo o médico!...
      Todos os presentes riram muito, menos o Dr. Estevão, é claro.
__Você está sempre tentando fazer uma gracinha! Você já é quase médico e esse comportamento não coaduna com a nossa profissão. Está dispensado da visita de hoje e espero você logo mais no meu gabinete para conversarmos. Vamos em frente.
      O Dr. Estevão mais uma vez repreendeu o Residente Átila, inclusive mostrando-lhe uma reclamação registrada no livro de ocorrência, a qual denunciava o Residente por assédio sexual. Vinha assinada pela enfermeira Clotilde, solteira, de 24 anos, a qual reclamava das atitudes e insinuações do Residente que, segundo ela, vivia cercando a profissional e dirigindo-lhe gracinhas.  Com a mesma atitude irreverente e irresponsável, Átila disse ao Professor:
__Ela se acha, Dr. Só porque tem um rostinho de boneca e um corpinho torneado, pensa que pode sair por aí esnobando todo mundo. Nada disso é verdade! É a palavra dela contra a minha.
     Ermitão era um negro, ainda jovem e musculoso, que tinha passado no concurso da Santa Casa para a função de Serviços Gerais. Limpava a enfermaria, trazia medicação da farmácia para abastecer a enfermaria e, também, passou a ajudar no Anfiteatro, onde os professores de anatomia dissecavam os cadáveres para as aulas práticas. Era um negro calado, de poucas palavras. O Dr. Estevão, algumas vezes já o tinha flagrado olhando fixo para as pernas da enfermeira Clotilde.
         O quadro de enfermeiros da Santa Casa envolvia mais de cem profissionais, pois as escalas eram de 12 horas para cada enfermaria. Os plantões noturnos eram mais calmos, exceto quando havia pacientes agitados.
         No dia que tudo aconteceu, o Dr. Estevão como sempre, chegou bem cedo a Santa Casa, foi direto para seu gabinete preparar-se para mais uma visita de rotina  a enfermaria. Eram 6:45 h quando o telefone tocou. Do outro lado, uma voz de mulher histérica, quase aos gritos, tentava dizer alguma coisa, porém o choro entremeado não deixava claro o que estava acontecendo. Até eu outra mulher, menos histérica e menos nervosa, falou:
__Dr. Estevão, mataram a enfermeira Clotilde aqui na Enfermaria!
__Estou chegando aí agora.
     A cena era horripilante. Numa grande poça de sangue, só de calcinha, a pobre Clotilde estava jogada sobre o chão do sanitário, parcialmente envolta num lençol branco, com seus dois seios mutilados.
     A polícia queria saber tudo sobre a enfermeira assassinada. Seu marido ou parceiro, seus colegas de plantão, seus amigos e amigas, seus hábitos, enfim tudo que pudesse levar ao assassino frio e audacioso que a  exterminou dentro de seu próprio  local de trabalho, sem que ninguém ouvisse ou suspeitasse de nada.
      Nos primeiros interrogatórios, nada de relevância pode ser detectado pelo Delegado. Clotilde vivia com seu parceiro a mais ou menos três anos, aparentemente bem e em equilíbrio emocional. Não tinham filhos por opção. Os colegas da enfermeira estavam em choque, pois todos gostavam muito dela como pessoa e como profissional. Os médicos, estagiários e Residentes também estavam chocados, pois ninguém conseguia entender aquele ato bárbaro, criminoso, com requintes de crueldade. Os dias foram passando e as investigações patinavam nos labirintos das hipóteses e conjecturas abstratas. Todas as pessoas interrogadas tinham-se mostrado inocentes, tinham álibis ou estavam fora do alcance de qualquer dúvida. Na busca do assassino, aventaram-se as hipóteses mais próximas e portanto, algumas delas, mais absurdas. Teria aquele paciente psiquiátrico saído de sua contenção e amarras e surpreendido a pobre Clotilde dentro do sanitário? Nessa hipótese aonde teria ele escondido a faca do crime? E porque os outros enfermos nada teriam ouvido? Seria o Residente Átila, num ataque sexual selvagem o responsável por tamanha barbárie? Ou o Ermitão, que também andava espichando o olho pra Clotilde? Mas todos tinham seus álibis, que se encaixavam perfeitamente.
            Quem matou a enfermeira? Essa pergunta estava quase enlouquecendo o Delegado Walace, que resolveu mais uma vez voltar ao local do crime.
__Com licença Dr. Estevão? Preciso de uma palavrinha sua.
__Pois não Delegado, sempre as suas ordens. Por sinal, já tem alguma pista sobre o assassinato da nossa enfermeira?
__Ainda não Dr., mas continuo buscando. É por isso que estou aqui. Diga-me Dr.,  o Sr. trabalha pela manhã e pela tarde aqui na Santa Casa, não é?  
__Sim. Preciso sempre estar em dia com meus prontuários e seguir a evolução dos pacientes internados em minha enfermaria. Além do mais, também faço dissecção de cadáveres no anfiteatro, para as aulas práticas de anatomia.
__Quando o Sr. fica no anfiteatro, entra pela noite a dentro cortando esses cadáveres?
__As vezes, sim.
__Especificamente nesse dia do assassinato da enfermeira o Sr. ficou até tarde? Lembra-se até que horas?
__Acho que até as 18 ou 18:30 h. Ora, ora Delegado! Não venha me dizer que me tem também na lista de suspeitos?
__Tenho sim Dr. Estevão. E acho bom o Dr. acertar o seu relógio e sua memória,  pois sua esposa em seu depoimento confessou que nessa noite o Sr. precisou ficar até mais que 2:00 da manhã na dissecção dos cadáveres da anatomia. Preciso informar-lhe também que o IML encontrou pedaços de lâminas de bisturi nos seios mutilados da enfermeira. E que essas lâminas são idênticas as usadas na dissecção dos cadáveres da anatomia. Agora, o Dr. precisa me acompanhar!...


PVH-RO.,  10/06/15

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